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sábado, 8 de agosto de 2009
08 de agosto de 2009
N° 16056 - PESQUEIRO | LUÍS AUGUSTO FISCHER
Pensar a cidade
Está rolando, ao longo do ano todo, uma vez por mês, um ciclo de debates promovido pelo Instituto de Arquitetos do Brasil, seção gaúcha, em sua sede nova, o velho e belo Solar Conde de Porto Alegre, na General Canabarro esquina Riachuelo.
Participei de uma mesa agora em julho, ao lado de Enéas de Souza, amigo de tempos, e do arquiteto Paulo Renato Silveira Bicca, gaúcho que trabalhou muitos anos fora e agora está de volta, lecionando na PUC. E foi deste que ouvi dois comentários que dizem respeito a todos nós, porque envolvem a cidade toda.
Mas antes de falar das teses é preciso dizer que os arquitetos, na minha avaliação, estão em falta com a cidade. Eu mesmo já escrevi sobre isso. O negócio é que eles estudam a cidade de um jeito que é ao mesmo tempo muito íntimo e muito público: eles pensam sobre prédios e ruas, aprendem a desenhar eles e elas, sabem contrastar esta urbe com aquela, é sua profissão.
Nós outros, professores, carteiros, malabaristas, funcionários, vendedores, barbeiros, apenas vivemos a cidade, passamos por ela, somos moldados por ela, mas não pensamos, nem sabemos organizar reflexão sobre ela.
E a cidade enquanto isso vai mudando, crescendo, se alterando; nós apenas olhamos, sem ver, mas eles, que manjam do riscado, entendem e podem falar. Não estão falando publicamente, mas saberiam fazê-lo.
O meu ponto é exatamente isto: eu acho que a voz deles deveria soar alta e clara, sempre que qualquer coisa acontece na, com a, pela cidade. Tem bairro planejado aparecendo? Vai subir um shopping? Abriram uma rua nova? Reciclaram um prédio velho?
Eles têm que vir à boca da cena, então, e tomar a palavra, para nos dizer coisas inteligentes, para comparar isso com aquilo, para dizer se faz sentido e como faz. (O ciclo de debates é uma forma de eles tomarem a palavra; está aberto ao público.)
Daí o arquiteto Bicca, bela figura de tenor italiano, em certa altura da conversa comenta a Terceira Perimetral. Diz que eles, arquitetos, não debateram suficientemente, em público ou em privado, o rumo da coisa.
E deu um exemplo: numa obra cara como foi essa perimetral, não tem cabimento que os fios corram lá em cima, escorados por postes, tudo resultando na tradicional sujeira visual de nossa cidade. Por que não enterraram os fios, como se faz em cidades preocupadas com a vida de todo mundo? Não teria sido muito caro, disse ele.
Seu tema não era exatamente os fios, mas a falta de presença da reflexão, da ponderação arquitetônica e urbanística no encaminhamento da Perimetral. Não era uma queixa deste ou daquele governo, mas da situação mental, da ausência de preocupação com isso e muito mais que tem relação com a cidade.
Vibrei com a observação, não porque entenda do tema, mas porque isso é debate cultural profundo. Para enterrar aquela maçaroca de fios, quanto teríamos gasto? Chegaria ao equivalente, digamos, a 50 metros de concreto? Menos de 1% do orçamento? E por que não o fizemos?
Pelo mesmo motivo que explica a nossa apatia com outros temas da cidade que deveriam merecer nosso empenho. Nem só de orçamento participativo devíamos tratar – e eu sou francamente favorável a ele, pelo tanto de pedagógico que tem, pelo tanto de compartilhamento de informações que promove –, mas também de coisas mais sutis como os aspectos visuais, as dinâmicas das regiões, a vocação de cada paisagem, etc. E para isso os arquitetos têm que se habilitar, vir a público, fazer as críticas e as autocríticas, esclarecer.
O aterro sem projeto
O mesmo Bicca largou outra que me fez vibrar mentalmente: Porto Alegre, com o vasto aterro da beira do Guaíba, entre a Usina, a Washington Luís, o Beira-Rio e a Praia de Belas, teve à sua disposição uma imensa área para inventar-se, para se propor dimensões novas, “por assim dizer uma Brasília” à disposição para a criação, disse ele. E o que fez Porto Alegre com aquilo tudo?
Era um arquiteto a pensar em público, o que significa que sua pergunta guarda ressonâncias de planejamento urbano, arruamento, construções, volumes, aproveitamento de espaço, aberturas e fechamentos, sei lá quanta coisa. E realmente me dei conta: Porto Alegre simplesmente não pensou em público sobre aquilo tudo. Dá a impressão de que foi botando prédios ali, conforme calhava: a Câmara de Vereadores, uns prédios da Justiça, o Daer, talvez agora (toc, toc, toc) o Teatro da Ospa.
Não estou aqui esquecendo de intensos e talvez incontornáveis interesses econômicos, imobiliários e políticos; estou é me solidarizando com a capacidade de fazer perguntas relevantes.
E ocorreu que, nesse ponto da conversa, o veterano arquiteto Irineu Breitman, presente na sessão (de umas 30 pessoas), deu seu depoimento: lembrou ele que Edvaldo Pereira Paiva, que hoje é nome de rua mas era o arquiteto oficial da coisa, teria designado parte daquela vastidão do novo aterro para a UFRGS, para o crescimento da área de Universidade, lá nos anos 40 ou 50. Mas, disse Breitman, o reitor de turno teria dito que não se interessava por chão aterrado, que se recusava a construir ali.
E assim a UFRGS perdeu de fazer ali um campus que poderia ser, por que não, um orgulho público da cidade e do estado, em arquitetura, paisagem e inteligência, quem sabe mesmo um modelo de integração entre órgão público e espaço compartilhado, entre saber e vida real, entre a água do Guaíba e a terra do Porto.
Mas não; o campus novo da UFRGS acabou construído lá onde está, na beira de Viamão, com uma concepção arquitetônica e urbanística que não pode ser mais medíocre, não pode ser menos propícia à vida inteligente: um amontoado de blocos tristemente iguais entre si, com salas de aula e nenhum espaço para o convívio e a criação. E o reitor esse, como é que ele teve palavra sozinho para barrar tão luminosa possibilidade? Quer dizer que se tratava de um déspota insuperável?
E a cidade, como fica? Sem debate público
Permanece o tempo todo no ar, para mim, a necessidade óbvia de participação dos arquitetos no debate público.
Assim como se consulta um médico infectologista para falar da Gripe A, a gente deveria consultar um arquiteto para falar do prédio novo que interfere na paisagem – o senhor mesmo, barato leitor, pode agora fazer uma conta e pensar quantos itens novos entraram compulsoriamente em sua paisagem cotidiana, no trajeto de ida ao serviço ou na janela de casa, nos últimos anos. Foram muitos, eu sei.
E o senhor estava preparado para entendê-los? Para aceitá-los? E por que o arquiteto não veio a público para falar sobre eles?
As respostas podem variar. Alguém poderá evocar as conveniências profissionais: um arquiteto não se botaria a criticar outro, para digamos detonar o responsável pela concepção de um prédio desses espelhados, parecendo uma nave exótica, que pousam nas esquinas dos bairros de prestígio. Mas tal resposta não me satisfaz, porque certamente haverá arquitetos com noção pública forte, a ponto de saberem de sua habilitação específica para o esclarecimento geral.
Então pode ser que se deva, a sua ausência, à falta de chamado. A imprensa não os convoca para o debate, e eles não se mexem para ser lembrados. Sim?
Quero crer que o furo é mais em baixo. Esse motivo mais profundo é menos fácil de distinguir, mas é mais forte: o caso é que não há instâncias ou arenas públicas de debate reconhecidas como válidas e eficientes para o campo cultural, hoje.
O debate em jornais e revistas é escasso; em televisões e rádios, apesar da abundância de tempo disponível, idem; a Universidade, seja ela pública ou privada, parece não promover mais a reflexão, pelo menos a ponto de empolgar a opinião pública; outras instituições públicas, como sindicatos e organizações profissionais, igualmente não conseguem sair de seus âmbitos restritos; os partidos e as campanhas políticas, ai de nós, andam numa miséria intelectual e numa irrelevância pública que dá dó (de nós mesmos, de nosso futuro), sem novidade à vista.
Multifragmentados na ilusão da comunicação de sites e blogues, que mal conseguem sair do restritíssimo público de fiéis já convertidos, estamos sem ponto de articulação que transcenda nossas particularidades, as locais na geografia ou as setoriais na escala social. E onde vamos nos encontrar para os debates inadiáveis?
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