sexta-feira, 3 de abril de 2009



O segredo bancário e a dimensão humana

Coisas da Política - Claudio de Moura Castro
Coisas da Política - Jornal do Brasil - 03/04/2009

Não foi o que a consciência do mundo esperava, mas as conclusões da reunião de ontem significam alguma coisa. Se for criado e administrado com independência, o organismo internacional que supervisará as transferências bancárias reduzirá os efeitos desastrosos da anarquia dos últimos decênios.

Uma frase do comunicado equivale a uma revolução moral no sistema bancário: The era of banking secrecy is over. Se os signatários não vencerem a poderosa coligação de adversários, essa decisão não se cumprirá.

Tomemos alguns exemplos desse confronto, como o da Itália. Berlusconi não será capaz de impor aos bancos italianos a identificação dos depósitos da Máfia, da Ndraghetta e da Camorra.

Não é tampouco provável que venha a admitir que as suas próprias contas bancárias venham a público, ele que é o único primeiro-ministro do mundo a governar sub judice, até que, terminado o mandato, venha a prestar contas à Justiça.

Como se sabe, a maioria de direita do Parlamento italiano aprovou, no ano passado, lei de iniciativa do governo, que concede imunidade judicial às quatro maiores autoridades do Estado – entre elas, o primeiro-ministro.

A Justiça, diante da lei, suspendeu os processos aos quais Berlusconi responde por crimes financeiros. Quando ele deixar o governo, terá que comparecer aos tribunais. Também é improvável que a Suíça se disponha a identificar os milhares de larápios que movimentam suas contas secretas no país, e com isso financiam sua prosperidade.

O ex-presidente do Banco Central Dênio Nogueira, em depoimento à Fundação Getúlio Vargas, disse que no dia em que a caixa-preta do Banco Central do Brasil fosse aberta – ou, seja, que seus segredos fossem conhecidos – o Brasil quebraria. Imaginem a abertura de todas as caixas-pretas de todos os grandes bancos do mundo. O dia em que os cidadãos souberem como eles atuam será, provavelmente, o do juízo final.

Talvez pensando nisso, o anônimo pichador e manifestante britânico tenha deixado, em uma parede da City, o recado irônico de suas conclusões: "O governo mente, os bancos roubam, os ricos riem". Essa visão pessimista é necessária, mas a situação é de tal forma grave que não será mais possível continuar a engambelação dos povos, principalmente nos países centrais, onde crescem os movimentos contestatórios.

E só a pressão popular poderá fortalecer os governos, a fim de que cumpram as promessas assumidas na reunião de ontem. Os bancos existem para receber depósitos e fazer empréstimos, não para guardar os bens roubados, assegurar a impunidade dos peculatários ou favorecer as grandes organizações criminosas.

Uma decisão, necessária e difícil, é a de acabar com os paraísos fiscais. Isso levará algum tempo, e talvez exija compensações aos países que abriram suas portas aos sonegadores e criminosos internacionais, em troca das taxas de inquilinato. O comunicado é nisso lacônico, assegurando apenas que os signatários adotarão medidas drásticas contra os que não quiserem cooperar.

Exigirá também ação concreta e imediata o reconhecimento da "human dimension" da crise. Por isso declaram o seu empenho prioritário em retomar as atividades econômicas e incentivar os empregos.

Sob a pressão das organizações internacionais que participaram da reunião, os Vinte afirmam a sua disposição de combater o aquecimento global e encontrar meios para um desenvolvimento sustentável. Essa é outra promessa que não pode permanecer no campo da retórica.

O que todos esperavam, e que encontrou a resistência principal em Obama, era a recomendação de que os grandes bancos fossem estatizados, e se estimulasse a criação de pequenas instituições financeiras.

Ao descentralizar as operações bancárias – o que os Estados Unidos fizeram, no passado – reduz-se o risco de uma crise sistêmica, e se estabelece a necessária confiança entre os clientes e os bancos. Pelo contrário, os Vinte revelaram seu propósito de recuperar o papel clássico dos grandes bancos na sustentação das atividades econômicas.

A menos que as atividades desses bancos, em cada um dos países e no plano internacional, sejam rigorosamente fiscalizadas dia a dia, o encontro terá sido apenas paliativo.

Sem essa fiscalização, o encontro terá apenas adiado crise ainda maior do capitalismo moderno, que vem sendo armada desde o primeiro liberalismo do século 19.

O fato é que a fatura será paga pelos de sempre, os que não têm domicílio fiscal nos paraísos: os trabalhadores.

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