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quarta-feira, 8 de abril de 2009
Brasil s/a - Antonio Machado
Custo da gabolice
Por falar demais, prometer muito, gabar-se dos feitos e dividir pouco, desdenhando o perfil federativo da política e praticando, sem disfarce, o jogo da sucessão em 2010, o presidente Lula está pressionado a partilhar a fartura de um tempo que não existe mais.
De tanto falar que a situação está ruim, mas seria pior para os outros, não para o Brasil, o governo foi imprudente e parece não saber sair da armadilha em que se enfiou. Em Montes Claros, Minas Gerais, Lula, num mesmo evento, instou os prefeitos a "apertar os cintos" e acenou "mais coisas para enfrentar a crise, porque nessa crise", ele acrescentou, "a gente não pode ficar parado".
Como assim? Ou é uma coisa ou é a outra. Governadores e prefeitos captaram o que lhes convém, recusando o sedentarismo político que Lula critica e querem o mesmo protagonismo. Mas com que dinheiro se para a maioria a arrecadação é gasta em salário e aposentadoria do funcionalismo, além dos juros e prestações de dívidas passadas, renegociadas com a União em 1997 em condições superfavorecidas?
O dinheiro que eles querem é o do Tesouro, movidos por uma lógica primária, mas convincente: o governo achou os meios para lançar o plano de casas populares, que em tese os envolve, mas como sócios menores, já que os méritos do programa foram repassados por Lula à candidata à sua sucessão, a ministra Dilma Rousseff. Na política, ou o sol nasce para todos ou o tempo fecha. Resultado: deu chabu.
Vários governadores, como os presidenciáveis Aécio Neves e José Serra, viraram as costas. Os prefeitos foram tocados pela ambição.
O programa foi lançado num grande evento em Brasília para o qual foram chamados milhares de prefeitos. Lula os ensinou a investir e gastar até o último centavo, porque assim se enfrenta a crise, ele disse "com mais programas sociais, com mais investimentos", como declarou em entrevista na véspera da reunião do Grupo dos 20.
Os "alunos" levaram a sério o que ouviram e querem praticar tais ensinamentos. Sequelas do tratamento dado a programas concebidos como ações anticíclicas, para mitigar o ônus do ajuste econômico à abrupta queda da atividade econômica global, mas embrulhados como prendas políticas. Os prefeitos querem compensação para a queda do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), formado com parte do Imposto de Renda e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
A perda foi a 8,1% no primeiro trimestre em relação a 2008. Lula mandou ajudar. A Receita já preveniu que o caixa está curto, tende a encolher, e a quebra de arrecadação prejudica mais a União.
Emergência faturada
O que legitima o pleito dos prefeitos é que o governo concedeu ao setor automobilístico redução temporária do IPI, que prorrogou até junho e estendeu a motos e materiais de construção, desfalcando um pedaço da receita do FPM. A medida tinha justificativa econômica, já que os pátios das montadoras estavam abarrotados de carros. Uma onda de desemprego se avizinhava. Não foi uma boa ação com receita de outros níveis da Federação, mas o exercício de política fiscal.
O problema é o tom dado a tais medidas, anunciadas como se fossem um ato discricionário de vontade, a manifestação de arbítrio do governo, não uma emergência, com consequências para a estabilidade fiscal e a execução orçamentária de estados e municípios.
Liturgia da Federação
A Federação não é um desenho abstrato da geografia do país, ainda que os estados estejam reduzidos desde a Constituição do período autoritário a figurantes da cena nacional, condenados a acompanhar as diretrizes do Executivo federal. Mas essa relação tem liturgia.
Se o governo federal abre a guarda ou se deixa enfraquecer, ela se manifesta, como agora. Por unanimidade, os secretários de Fazenda estaduais decidiram, na semana passada, pedir a troca do IGP para o IPCA do indexador das dívidas dos estados, e mais uma penca de reivindicações. A pedida não é um disparate. A ocasião é que não é propícia. A própria proposta tem risco para os estados.
Ambições insufladas
Na estimativa dos secretários, a troca de indexador pode dar aos estados uma economia de 30% da dívida total, dinheiro para que os governadores façam o que Lula ensinou e comecem a gastar. O ganho, porém, pode ser fugaz. O IGP corre hoje abaixo do IPCA, mas a sua sensibilidade ao câmbio é maior. Mas talvez seja esse o menor dos problemas frente ao ativismo mais político que fiscal criado pelo governo, incentivando as ambições. A carga tributária não aguenta.
As partes e o todo
A tendência é que as demandas sobre o caixa federal cresçam muito mais, tanto porque a banca continua entocada, receando emprestar e não receber, como porque Lula se permitiu a isso ao sair pregando que a crise devolvia ao Estado a centralidade na economia. Pois é.
As construtoras chamadas para pôr de pé o plano de casas populares querem "preço justo" pela construção. O varejo se queixa da falta de crédito e quer também que o governo proveja o capital de giro.
Dinheiro há, mas já está todo empenhado no orçamento fiscal. Nos bancos públicos, há limites para a multiplicação do crédito. Em suma, é o de sempre: a soma das partes não pode superar o todo.
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