quarta-feira, 1 de abril de 2009



01 de abril de 2009
N° 15925 - MARTHA MEDEIROS


As hermafroditas

Estive recentemente no Rio participando de uma conversa na Casa do Saber, um centro cultural que promove cursos sobre temas variados, e fui inquirida pelo dono do lugar: ele queria saber como eu via o desempenho das mulheres na política, especialmente das gaúchas Dilma Rousseff e Yeda Crusius, e se eu ficaria feliz em ver uma mulher na presidência do país.

Eu respondi a ele que política não é assunto que eu domine (nem esse, nem nenhum), e que sendo homem ou mulher, pra mim, tanto fazia, assim como tanto faz se for gremista ou colorado, gay ou hétero, carnívoro ou macrobiótico, desde que trabalhe pelo bem da população e seja uma criatura honesta e com projetos realizáveis.

Creio que não era a resposta que ele queria, mas eu não estava a fim de polemizar. Na hora fiquei pensando em como as mulheres são mais cobradas do que os homens quando ocupam uma liderança política ou empresarial. Por um lado, elas não podem fraquejar de jeito nenhum, sob risco de serem consideradas delicadas demais para ocupar um cargo que sempre foi deles, os ogros.

Por outro, se forem duronas, correm o risco de sofrerem críticas justamente por serem “mais macho que muito homem”, como dizia uma música da Rita Lee. A verdade é que mulher na política ainda é considerado um fenômeno sobrenatural e exige-se dela nada menos do que hermafroditismo.

Por coincidência, dias depois estava assistindo à peça Aquela Mulher, com Marília Gabriela desempenhando um papel livremente inspirado em Hillary Clinton, no hipotético dia em que ela estaria tomando posse da presidência dos Estados Unidos.

O texto discute traições conjugais e as perdas que a passagem do tempo acarreta, mas o monólogo se inicia falando da relação da mulher com o poder, especialmente do caso de Hillary, que hoje está mais na vitrine do que o marido e pode mesmo vir a ser presidente um dia.

A peça começa com a personagem sozinha em seu quarto, comentando que dentro de poucas horas será o homem mais importante do planeta. “O homem!”, ela repete, insinuando que a mulher mais importante do planeta nunca seria tão importante assim. E diz mais: que sua ascensão política nada mais é do que uma vingança por seu marido a ter traído com “aquela gorduchinha”.

Ficção à parte, fiquei pensando até onde as mulheres estão galgando degraus por idealismo ou por revanchismo. Até onde nossa necessidade de poder é um desejo genuíno ou uma desforra. Talvez todas as mulheres se sintam um pouco traídas por terem demorado tanto a usufruir de uma vida pública, mas vencer para “dar o troco” nunca me pareceu um bom motivo.

Sempre que tentamos provar algo para os outros, corremos o risco de ficarmos histriônicas e de perder o foco. Se, ao contrário, temos vocação natural para a liderança e para a administração, aí não haverá preocupação em demonstrar se existe um jeito masculino ou feminino de governar: será de um jeito próprio, à prova de rótulos.

Continuo achando que um homem ou uma mulher no governo, tanto faz, desde que haja governo – de si mesmo, pra começar.

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