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quinta-feira, 24 de julho de 2008
Juremir Machado
UMA LINDA HISTÓRIA
O maestro João Carlos Martins esteve em Porto Alegre para reger a Ospa. Acompanhei as suas entrevistas, especialmente a que deu para Sérgio Couto, do 'Programa das 7', da Rádio Guaíba. Maravilhosa. O Serginho está fazendo o melhor programa de cultura do rádio gaúcho. Há quem só ache bela uma história triste.
Como se apenas no sofrimento existisse grandeza. São os admiradores sádicos da desgraça alheia. Ou se expressam mal. Querem louvar a superação e terminam valorizando a dor. Acabam sempre no elogio sob a forma de sermão ou de moral e cívica: fulano é um exemplo...
João Carlos Martins tem uma história triste. Mas, acima de tudo, bela. Apaixonado por música desde menino, estudou piano e mostrou ter muita bala nos dedos. Aos 20 anos de idade, apresentava-se no Carnegie Hall.
Seria o maior intérprete de Bach. Uma lesão, num jogo de futebol, em Nova Iorque, tirou-lhe, no entanto, o movimento da mão direita. Parece um filme terrivelmente dramático: a angústia do pianista na hora do gol.
Ele não desistiu. Não está na sua personalidade. Fez tratamento. O jogo, às vezes, perverso da vida prosseguiu. As suas mãos foram afetadas pela doença dos movimentos repetitivos. Parou de tocar e tornou-se, nessa sua permanente relação com o esporte, treinador de boxe. Isso é tão verdadeiro que parece inverossímil.
Aos poucos, voltou à música e inventou um novo estilo para a deficiência das suas mãos doentes. Virou o pianista da mão esquerda. Sucesso total.
Aí, em Sofia, na Bulgária, foi assaltado e recebeu um golpe na cabeça, perdendo novamente parte do movimento das mãos. A esquerda foi a mais afetada. Ainda assim, continuou a tocar com os dedos que, a cada dia, podia usar, ritmando as notas com o sofrimento que sentia. Não havia saída. Fim de linha.
Em 2003, sonhou que o maestro Eleazar de Carvalho lhe dizia: 'Vem, que eu vou te ensinar a reger'. Foi. Entrou numa escola e aprendeu regência. Rapidamente começou uma nova e bem-sucedida carreira. Hoje, com a Bachiana Filarmônica, ele brilha muito e não perde a simplicidade.
De quebra, trabalha música semanalmente com jovens carentes, despertando sensibilidades e sonhos considerados por muitos, os pragmáticos, como fadados aos porões da alma. João Carlos Martins é um exemplo? Certamente. Mas não é isso que importa. Afinal, nem todos têm o mesmo talento nem a mesma capacidade de superação.
Fundamental é a sua história. Em si mesma. Mesmo que ninguém pudesse segui-la ou dela tirar uma lição, ainda assim se trataria de algo extraordinário e maravilhoso.
Esse é o sentido da arte. E do esporte. Antes de ser um exemplo para uma humanidade ordeira ou disciplinada, como sempre sonharam os funcionalistas dos regimes autoritários, arte e esporte devem ser fruição em si mesmos. Ou seja, a paixão pelo gesto sublime acima de tudo.
É por isso que se diz, embora os simplórios e os fanáticos pelo sucesso não entendam, que um artista produz, mais do que tudo, para si mesmo. Um escritor, por exemplo, na solidão do seu ambiente de trabalho, renova a cada dia o amor pelo ato da escrita, alheio ao resultado ou aos aplausos.
Quer escrever. Essa é a sua vida. João Carlos Martins tem tanto talento que o sucesso nunca lhe abandonará. Ele, como um grande artista, nunca abandonará a música. O boxe com certeza perdeu um grande treinador.
juremir@correiodopovo.com.br
Uma excelente quinta feira para todos nós
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