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sexta-feira, 25 de julho de 2008
25 de julho de 2008
N° 15673 - David Coimbra
A morte
Todas as catedrais com suas cruzes que se elevam ao céu, todos os dólares de todas as igrejas evangélicas, todo implacável zelo muçulmano, tudo isso só existe porque existe a morte.
Prova é Dragan Dabic. Este, quando não tinha barba nem prendia o cabelo com passador, chamava-se Radovan Karadzic, presidia a Sérvia e era conhecido como "o carniceiro de Sarajevo". Como Karadzic, ele foi responsável pelo que é considerado o maior massacre da Europa desde a Segunda Guerra, com 8 mil pessoas executadas.
Mas Karadzic caiu e havia 12 anos era caçado pela Otan. Nesse tempo, transformou-se em Dragan Dabic e assim enganou a Europa. Só que a mudança não se limitou à barba e ao penteado novos.
Como Dabic ele vestiu outra personalidade. Tornou-se médico alternativo. Usava a homeopatia, a acupuntura e a macrobiótica para curar de autismo a impotência. Pregava:
- Somos seres energéticos. As funções do nosso corpo são causadas pela energia de uma fonte superior, cósmica, orgânica, quântica, o Espírito Santo...
Dragan Dabic gozava de tanto prestígio que dava palestras em Belgrado, escrevia para uma revista intitulada "Vida Saudável" e apresentava-se sob o florido lema de "sempre se pode ajudar".
Em 2005, lançou um livro de poesias de cujas páginas brotavam suspiros. Era um bonzinho, Dragan Dabic. Justo ele, o carniceiro de Sarajevo.
Alguém poderá argumentar que, nesses tempos materialistas, as pessoas precisam acreditar em algo que seja impalpável. Mas não. Sempre houve impostores místicos por aí.
O monge Rasputin foi um Dragan Dabic melhorado. Bem melhorado - Rasputin chegou a comandar o império russo no começo do século 20. Indiretamente, claro. Rasputin mandava por intermédio da tzarina Alexandra.
O filhinho dela, Alexei, era hemofílico. Um dia, o principezinho, de três anos, sofreu uma queda enquanto brincava. Foi o que bastou para que seu corpo se intumescesse com inchaços azulados.
O menino gritava de dor noite adentro e nenhum médico o curava. Alexandra, in extremis, decidiu aceitar a sugestão de uma duquesa e mandou chamar o monge.
Rasputin foi infiltrado no palácio. À meia-noite, ajoelhou-se ao pé da cama do menino, fez com as mãos embrutecidas o sinal da cruz na testa do enfermo e, com voz trovejante, advertiu aos assustados pais, a tzarina Alexandra e o tzar Nicolau II:
- Acreditem no meu poder e seu filho viverá!
De manhã, Alexei saltitava lampeiro por São Petersburgo. É óbvio que Alexandra entregou a alma a Rasputin. Qualquer mãe entregaria. Mas Rasputin era polêmico até no nome - em russo, "dissoluto".
Ele de fato pregava a dissolução como cura, desde que a pessoa, depois do pecado, se arrependesse. Por essas, mas sobretudo por sua influência no governo, despertou ciúmes na corte. Um dos príncipes tramou sua morte.
Convidou-o para uma festa e ofereceu-lhe vinho e bombons envenenados. Ante o olhar incrédulo do príncipe, Rasputin comeu todos os bombons e bebeu todo o vinho, quantidade de veneno suficiente para abater um pelotão de cossacos. Como continuasse saudável como um sharapovo, o príncipe atirou nele.
Rasputin levantou-se e saiu correndo pela casa. O príncipe e seus asseclas tomaram de bastões e o espancaram até que ficasse inerte.
Por fim, o atiraram no Rio Neva. Quando o corpo foi encontrado, havia água nos pulmões, o que quer dizer que o monge ainda vivia, quando o jogaram no rio! Rasputin enfeitiçou os russos até o fim.
Por que tamanho fascínio? Por que tanto poder para uma impostura? Por causa da morte. As pessoas apelam para o místico quando sofrem. É por isso que um povo é tanto mais crente quanto menos desenvolvido for.
É certo que o progresso e a ciência diminuem, cada vez mais, a dor. Talvez algum dia a eliminem por completo.
Mas a morte, isso também é certo, a morte jamais eliminarão. E, assim, sempre existirá um Rasputin, sempre existirá um Dragan Dabic, e monges e papas e sacerdotes e curandeiros e afins.
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