segunda-feira, 21 de julho de 2008


Coluna - Nossa Economia - Paulo Guedes - Época num. 0531 - 21/7/2008

Não são “perfeitos”, mas buscam permanente a eficiência, ao mesmo tempo em que são espelho de nossos humores

A furiosa condenação é de Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia, em artigo publicado no jornal O Globo da quarta-feira passada: “Os bancos americanos erraram no cálculo dos riscos em uma escala colossal, com conseqüências globais.

E gestores dessas instituições saíram de cena com bilhões de dólares em recompensas”. Concordo com Stiglitz: banqueiros incompetentes, regiamente pagos, expandiram seus empréstimos, causando agora uma formidável crise creditícia, com efeitos sobre toda a economia mundial.

Prossegue o crítico: “A maciça alocação de recursos para a construção civil foi um enorme equívoco. Novas residências foram construídas para famílias que não podiam pagar por elas, e agora milhões de residentes tiveram de deixar suas casas.

Mesmo aqueles que sempre foram responsáveis, cuidadosos em seu endividamento, verificam agora que o mercado desvalorizou suas residências além do que podiam supor em seus piores pesadelos. E a destruição se amplia: os despejos e as falências provocam uma desaceleração econômica prolongada”.

De novo, concordo: a bolha imobiliária foi um erro de cálculo monumental. Quebrou a indústria de construção residencial. Arrastou à falência milhares de famílias que não conseguiram pagar suas hipotecas.

Causou uma devastação nos balanços das instituições financeiras. Derrubou o crescimento da produção e do emprego nos Estados Unidos e lançou enormes sombras sobre a economia mundial.

Conclui Stiglitz, e mais uma vez concordo: “Ninguém pode argumentar que os mercados financeiros fizeram um belo trabalho”. Discordamos, entretanto, quanto às raízes da crise. Stiglitz atribui as origens da desordem atual às falhas de um mercado supostamente perfeito.

Em minha opinião, uma percepção ingênua dos fenômenos de mercado, como a crença nos mercados perfeitos, fornece exatamente o que seus críticos mais utilizam como munição nos momentos de crise e descontinuidade.

O argumento da suposta infalibilidade dos mercados em bases científicas e a pretensão de transformar economia e finanças em ciências exatas produzem uma perigosa mistificação: confundir brilhantes construções mentais para entender a realidade com a própria realidade.

Banqueiros incompetentes erraram no cálculo dos riscos. Mas estimulados pelo Federal Reserve

Os mercados não são “perfeitos”. São, isto sim, poderosos instrumentos de coordenação econômica em busca permanente de eficiência. Mas são também o espelho de nossos humores, refletindo nossa falibilidade nas avaliações. São contaminados por excesso de otimismo e de pessimismo. São humanos, demasiado humanos.

Em 17 de março, adverti nesta coluna: “Esta crise, cujo epicentro se encontra no mercado de crédito americano, é mais séria que as superficiais análises em Wall Street nos queriam fazer crer.

Sua profundidade tornou inescapável a conclusão de que, nas raízes do fenômeno, estão os excessos na expansão de crédito da era Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos.

Ninguém mais acredita que uma crise de tais proporções pudesse decorrer de uma pequena desatenção de Ben Bernanke, o atual presidente do Fed, ou mesmo de um pequeno erro de cálculo de meia dúzia de empresas de construção civil na Califórnia e na Flórida”.

Sim, banqueiros incompetentes cometeram erros grosseiros no cálculo dos riscos. Mas estimulados pelo Federal Reserve. Sim, a expansão excessiva do crédito causou bolhas imobiliárias, erros de alocação de recursos, especulação na compra de ativos, desembocando no colapso do crédito e no estouro das bolhas.

Mercados demasiado humanos ampliaram a onda de alta produzida por um Fed demasiado frouxo. E agora as ondas de baixa arrebentam sobre milhões de americanos que se endividaram em demasia, acreditando que os juros baixos do Fed durariam para sempre.

Se os mercados são condenáveis por erros de cálculo dos riscos assumidos, o Federal Reserve deve ser condenado por “moral hazard”: indução ao risco excessivo e ao comportamento temerário.

Por estímulo artificial à especulação e por enganar miseravelmente milhões de americanos que acreditavam na perfeição das autoridades monetárias – e não dos mercados.

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