sexta-feira, 18 de julho de 2008



18 de julho de 2008
N° 15666 - David Coimbra


Muito medo!

Nunca conheci alguém que fosse ruim. Digo: realmente ruim - uma pessoa má. Conheço muitos chatos, verdade, e tantos outros que não gostam de mim, mas uma pessoa que seja essencialmente, totalmente má, isso não conheço. Portanto, sou o tipo que sai por aí sem temor das outras pessoas, certo?

Errado.

Tenho meus receios. Claro que os teria em muito maior número se fosse rico ou ocupasse um cargo público. Nestes casos, a possibilidade de ser envolvido em uma denúncia qualquer é vasta, quase uma probabilidade. Não que o rico ou o ocupante de cargo público precise estar envolvido diretamente na falcatrua.

Por exemplo: o tal Eike. Um rico. A Polícia Federal foi ao escritório dele e lhe levou os computadores e talicoisa, tudo sob o olho ardente das câmeras de TV. Ele não foi acusado, não foi denunciado, não foi indiciado, nada. Mas já é culpado. O Brasil inteiro o considera corrupto.

Se não for, pouco importa: já é tido como. Outra: Ideli Salvatti, a senadora do PT. Houve uma vaga referência a ela em uma conversa telefônica de dois investigados - Ideli teria recebido R$ 2 milhões de alguém, por algo. Se falavam de outra pessoa, se a senadora foi mencionada de propósito para envolvê-la, se foi tudo engano, não importa. Ideli está nas páginas como suspeita.

Felizmente, não sou rico nem ocupo cargo público. Mas não estou tranqüilo. Porque, digamos que eu coma um torresmo e saia conduzindo meu veículo automotivo e seja parado numa barreira policial. Os polícias pegam aquele bafômetro e o enfiam na minha boca. O ponteiro vai lá em cima, zero ponto nove. Pudera: torresmo, cara!

Aí os agentes da Lei me atiram dentro de um camburão na companhia de alguns traficantes, e me arrastam para a delegacia, e tenho que pagar dois mil reais para sair em seis horas, e o delegado me xinga, e meu carro é jogado no lixo, porque botar o carro no estacionamento do Detran é o mesmo que jogar o carro no lixo, e perco minha carteira por um ano, e pago mais 900 pilas de multa.

Bem. Talvez eu não seja parado numa barreira, talvez só beba água sem gás e coma chuchu. Mas pode acontecer de uns bandidos estarem fugindo da polícia em um carro mais ou menos parecido com o meu e, se o meu carro ficar entre o deles e o da polícia, existe a chance concreta e viável de a polícia cercar o meu carro e, antes que eu possa dizer cucamonga, metralhar-me com 80 tiros.

Mas é possível, também, que eu seja um cara de sorte a ponto de não encontrar a polícia na rua. Neste caso, tenho que prestar muita atenção ao chegar perto das sinaleiras e cruzamentos. Tenho que diminuir a velocidade do carro na esperança de que o sinal abra para mim. Se não abrir, minhas opções são:

1. Olhar para os lados e cruzar a rua assim mesmo, torcendo para que um caminhão não venha da lateral e passe por cima de mim, transformando-me numa pasta disforme de carne e sangue rojada na sarjeta, ou:

2. Parar no sinal e torcer para que não apareçam dois sujeitos de capuz com um canhão na mão e me encostem o canhão na testa e me seqüestrem relampagamente e me tranquem no porta-malas e saiam comigo por aí, até me deixarem na Vila Mário Quintana.

É evidente que, se nada disso me acontecer, ainda tenho que tomar cuidado com bancos que desviam bilhões, com departamentos de trânsito que roubam milhões, com funcionários de assembléias que protagonizam fraudes com selos, com as taxas das companhias telefônicas,

com os atendimentos eletrônicos das TVs a cabo, com as infecções hospitalares, com celulares que causam câncer no cérebro, com postos de gasolina que explodem, com pianos que caem do oitavo andar.

Francamente. Mundo perigoso, esse.

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