quarta-feira, 16 de julho de 2008


Míriam Leitão - PANORAMA ECONÔMICO
O Globo - 16/7/2008


Desafio duplo


O presidente do Banco Central americano, Ben Bernanke, voltou a falar que a crise americana está trazendo "numerosas dificuldades" para a economia, entre elas, uma grande incerteza na inflação.

Ele resume assim a confusão em que está, entre dois objetivos: reduzir a inflação e combater os riscos de recessão. A inflação de alimentos na Inglaterra beira 10%, e a alta nos preços do atacado nos Estados Unidos é mais de 9%.

Bernanke se preparou a vida inteira para evitar que algo parecido com a depressão de 29 se repetisse na economia, por isso, logo no início da crise, deixou de lado todos os cuidados com a inflação e baixou os juros. O mais importante era evitar a propagação do problema iniciado com a inadimplência das hipotecas de alto risco.

A crise continuou se expandindo: de uma questão localizada, acabou contaminando todo o mercado hipotecário, virou uma crise de crédito, e agora trinca as estruturas do sistema de financiamento imobiliário ao atingir Fannie Mae e Freddie Mac.

A queda dos juros não evitou que os compradores de imóveis fossem atingidos. Os imóveis continuam sendo retomados, e isso não evita os prejuízos dos bancos, que só fazem crescer a cada trimestre. Em Cleveland, 10% dos imóveis já pertencem aos bancos, e eles não têm muito o que fazer com isso.

Quando os bancos vendem os que retomaram, derrubam mais os preços e, portanto, desvalorizam os próprios ativos que passaram a reter ao executar as garantias. Ao lado disso, a inflação sobe puxada por problemas outros, como a alta dos preços dos combustíveis e de alimentos.

O dia amanheceu ontem com um extremo mau humor presente em todos os mercados: caíram as bolsas da Ásia, as européias abriram em queda forte para depois reduzir um pouco as perdas; o dólar chegou ao nível mais baixo diante do euro, antecipando-se às declarações do presidente do Fed. De fato, Bernanke afirmou com todas as letras que a situação está ruim e assim permanecerá.

"A economia continuará enfrentando dificuldades, incluindo progressivas tensões no mercado financeiro, queda no preço dos imóveis, fragilização do mercado de trabalho e aumento dos preços de petróleo, alimentos e outras commodities", disse ele.

A inflação está assombrando as economias. Ontem saiu a de junho, na Inglaterra: deu 3,8% em comparação com junho do ano passado; a inflação de alimentos chegou a quase 10%, e a alta de combustíveis atingiu 24%. Nos Estados Unidos, a inflação do atacado alcançou 9,2%, a maior alta em 27 anos.

Das bolsas de lá também não vieram boas notícias. O S&P 500, um dos índices do mercado americano, caiu para o seu mais baixo patamar desde 2005; isso porque as empresas de energia sofreram perdas depois que o preço do petróleo despencou. Outro componente foi o fato de que o mercado também começou a duvidar de que realmente vá ocorrer o resgate da dupla Freddie Mac e Fannie Mae.

No Brasil, o dia começou com queda na bolsa, que acabou fechando praticamente estável. Na abertura, o tititi foi ao redor de um relatório da Goldman Sachs que afirmava que os bancos regionais americanos estavam com problemas. No meio da tarde, surgiu o boato de que o HSBC podia comprar o Lehman Brothers.

- Duas coisas têm me chamado a atenção neste novo momento da crise: a aversão ao risco, que aumentou bastante, e o impacto que estão tendo as notícias a curtíssimo prazo. Os nervos estão à flor da pele com a divulgação dos balanços dos bancos - diz o economista Roberto Padovani, do WestLB.

A Bovespa vem sofrendo esse baque nos últimos dois meses. Desde meados de maio, o Ibovespa caiu 16,5%. Em abril, o país recebeu o grau de investimento, mas a alta desde então já foi toda embora.

Aliás, como estão indo também os investidores estrangeiros. No mês passado, a Bovespa registrou saída líquida de R$7,4 bilhões e, neste mês, de R$2,7 bi. No ano, já são R$9,3 bilhões.

Porém o movimento recente de aversão a risco não é exclusividade nossa; aqui tem sido até mais brando. No ano, a maioria das bolsas asiáticas caiu mais de 20%.

A da Índia teve queda de 37%; a da China, 27%. Na nossa região, os dados também são de baixa, mas em menor proporção. No Chile, foram 10%; 7% no México e 4,9% no Brasil. Os piores foram Peru (com 16% de queda) e Colômbia (com 18%).

Sair dessa crise, em seus amplos aspectos, não será trivial. Os BCs precisarão se equilibrar entre conter a inflação e evitar uma recessão.

E isso com o mercado de petróleo desafiando qualquer lógica e o problema dos alimentos, que não se resolverá instantaneamente na próxima safra. Na conta, nos Estados Unidos, ainda terão que ser somados todos os prejuízos com a crise de crédito.

O Brasil não está em crise, mas enfrenta o risco inflacionário. As instituições financeiras não estão nem de longe comprometidas com o que abalou bancos nos EUA e em outros países.

Mesmo assim, será preciso estar atento a todos os riscos e reflexos da crise americana, porque ela está longe de acabar. Apesar do bom momento do crescimento econômico, o Brasil continua com fortes desequilíbrios na área fiscal.

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