quinta-feira, 24 de julho de 2008



24 de julho de 2008
N° 15672 - Paulo Sant'ana


Ainda sobre o tédio

Voltando ao tédio, tema tão recorrente quanto a vida. Eu sei por que fez tanto sucesso a coluna que escrevi sobre o tédio esses dias.

É porque desempregados não têm tédio. Desempregado só tem um mal: o desemprego.

O tédio é um mal que devasta os empregados, os que estão com a vida encaminhada, os aposentados.

E como os assinantes e leitores de Zero Hora são tipicamente de classe média, possuem carro e muitos têm casa na praia, o tédio é dominante entre eles.

Por isso é que todos se identificaram na coluna que escrevi sobre o tédio.

O tédio é um mal que corrói o espírito e derruba o homem porque ele é permanente, são portadoras dele as pessoas aparentemente bem resolvidas.

O tédio também é sintoma aparecido nas pessoas que não têm problemas. Quem tem problemas não tem tédio: tem problemas, não tem tempo de ter tédio.

O tédio é o seguinte: está tudo bem, mas a gente não se sente bem. Como eu já disse, o tédio é filho legítimo do pessimismo: está tudo bem, mas isto não é normal, se continuar assim tudo bem, acabará terminando mal.

Está tudo bem, mas não acontece nada diferente para melhor. Só aquela rotina massacrante, as coisas todas nos lugares, não aparecem novos desafios nem novos encantos, a vida vira uma modorra insuportável, não há espaços para improvisos, tudo se repete de forma insistente, a gente já sabe o que vai acontecer, nada muda.

Está tudo bem, mas não acontece nada de melhor.

Isto também é o tédio.

Quando você avista uma pessoa que tem tudo para ser feliz, é bem empregada, tem família articulada, ou é rica, mas ela diz que não é feliz ou aparenta não ser feliz, isto é o terrível tédio.

É a mesma coisa que você morar em Capri, ter toda aquela paisagem extraordinária à sua disposição, mas só tem aquela paisagem, que de tão linda se torna cansativa.

Isto é o tédio. O tédio é uma paisagem só, exuberante, mas fastidiosa.

O tédio vem muito quando a gente tem um emprego só, uma aposentadoria só, uma mulher só, um marido só. Está tudo muito bem, nem a gente quer que modifique, mas bem que podia ser mais variado.

Isto é o tédio.

O tédio faz parte daquele axioma de que eu era feliz e não sabia. Quase sempre quem porta o tédio é invejado pelos outros, que queriam ter a vida dele. Esses que invejam o tedioso não têm tédio, têm necessidades.

Só que o tedioso é que sabe que a sua vida não é lá tão assim invejável como parece aos outros, tornou-se aborrecida, é um triunfo frustrante, porque definitivo, constante, sem transformações.

O tédio é sinônimo de tristeza, porque caiu sobre a criatura humana uma praga, a de que será sempre triste e insatisfeita, nunca mais aquela mágoa se apaga, mesmo quando aparentemente tudo está bem para ela.

O tédio é isso, é todo fim de dia ou fim de mês, do trabalho para casa, quando sai o pagamento são as mesmas contas que o devoram, o mesmo noticiário desolador na televisão, todos os dias, parece que decorado, pontilhado de violências e de corrupção.

E o tédio é uma condenação da pessoa humana, tão terrível, que ninguém sentirá tédio no inferno, mas o tédio transpõe a vida do homem e o acompanha à eternidade: todos sentirão tédio no paraíso.

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