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quarta-feira, 23 de julho de 2008
23 de julho de 2008
N° 15671 - Paulo Sant'ana
A navalha do caminhão
Impossível ficar alheio ao terrível desastre acontecido na madrugada de ontem sobre a ponte do Arroio Concórdia, no quilômetro 371 da Tabaí-Canoas, em Fazenda Vilanova, um pequeno município do Vale do Taquari.
Nós todos, eu que escrevo esta coluna e vocês que a lêem, estávamos dormindo em segurança nos nossos lares, naquele instante, pouco depois das 4h da madrugada.
Às vezes nos passa despercebido que durante a noite milhares de pessoas estão trafegando nas estradas, sob chuva, como foi o caso, sob neblina, como acontece sempre no inverno, vencendo distâncias, correndo riscos cada vez maiores num país que abandonou inacreditavelmente as ferrovias e atira todas as pessoas para o tráfego sinistramente perigoso das rodovias.
As 13 pessoas que morreram no choque do caminhão com o ônibus, mais as 24 que escaparam feridas ou ilesas, com exceção do motorista do caminhão, vinham desde Porto Xavier com destino a Porto Alegre.
Iriam percorrer 669 quilômetros, uma viagem estúpida que atravessa todo o Estado, que dura 12 horas intermináveis e tinha de ser feita num trem seguro e confortável, mas não há trens para transportar as multidões, nem nas estradas nem nas cidades do Brasil.
E ficamos todos à mercê do destino nas estradas não duplicadas e sem acostamento nas pontes. E 669 quilômetros de percurso, um ônibus ou qualquer veículo ultrapassa, é ultrapassado ou cruza com milhares de outros veículos, em todas essas incidências se estabelece o risco de vida nas estradas, dependendo as vidas de todos de quem dirige o veículo em que se está e dirige os dos outros milhares de veículos.
É muito risco, ainda mais quando é noite e chove, como aconteceu nesse desastre. Ainda mais quando todos dentro do ônibus dormem, contagiando até o motorista de sono.
E ainda mais quando as estradas são salpicadas de caminhões, muitas vezes agressivos, dirigidos por motoristas que parecem ser donos do percurso, aterrorizando os veículos menores e obrigando-os em grande parte das vezes a se refugiarem contra o acostamento, sob pena da morte inevitável.
Quando a televisão mostrou a imagem do lado esquerdo do ônibus, o lado do motorista, viu-se que toda a lataria foi rompida, rasgada pela navalha do caminhão, que foi destroçando a todos que estavam nas janelas.
Escaparam de morrer os que estavam do lado direito do ônibus, mas muitos se feriram.
Os dois primeiros atingidos, em lapso de segundo, foram os motoristas, ambos deixaram viúvas e filhos bebês.
E mais outras 11 mortes de passageiros. Morreram dormindo. E os que sobreviveram não se davam conta do que lhes estava acontecendo. Para chegar socorro, àquela hora, demoraria duas horas, depois da chegada do socorro foram necessários mais 80 minutos para resgatar mortos e feridos de dentro do ônibus.
Com o frio da madrugada e a escuridão da noite, imagine-se o sofrimento dessas dezenas de pessoas, entre elas um bebê de sete meses de idade, que restou miraculosamente ileso.
Resta-nos a piedade sobre os mortos e feridos e a solidariedade para suas famílias.
E uma dúvida que me acicata e que não consigo transformar em certeza: será correto que as empresas de ônibus destinem aos grandes percursos o horário da noite, para que os passageiros possam dormir?
Será certo isso ou os grandes percursos tinham de ser feitos à mais segura luz do sol?
No entanto, também me ocorre que as pessoas são obrigadas a viajar à noite para poderem trabalhar no dia seguinte.
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