terça-feira, 15 de julho de 2008



15 de julho de 2008
N° 15663 - Moacyr Scliar


O bom contágio

Gosto de tudo que o Verissimo escreve, mas alguns textos dele ficam na minha memória e não saem mais. Uma vez, por exemplo, ele escreveu que, ao entrar no avião, coloca em posição rigorosamente vertical o pino que segura aquela mesinha de bordo.

Não sei qual a conotação simbólica desse gesto, mas o certo é que eu (e com vários de vocês acontecerá isto) o incorporei, e agora não posso viajar sem ter colocado o dito pino na vertical. Isto é o que se chama contágio psíquico, um fenômeno que explica muitas coisas em nossas vidas, desde a moda até os quebra-quebras urbanos (mas não cheguem a este extremo).

Contágio é uma palavra desagradável, mas às vezes o contágio psíquico é coisa saudável, como mostra o trabalho de dois pesquisadores americanos, Nicholas A. Christakis e James H. Fowler, publicado no importante New England Journal of Medicine.

Trata-se de uma pesquisa realizada em Framingham, pitoresca cidadezinha da Nova Inglaterra, que conheço por ter lá participado de um evento médico, e que, há décadas, transformou-se num verdadeiro laboratório da saúde pública.

Numa iniciativa admirável, a população dispôs-se a ser acompanhada para que pesquisadores pudessem investigar os fatores que causam doenças cardíacas - os problemas do colesterol alto foram descobertos lá.

Christakis e Fowler estavam interessados em outro tema, o tabagismo. Para isto investigaram o hábito de fumar em 12.607 pessoas, que tinham entre si vários tipos de vínculos, profissionais, familiares, de amizade. E a pergunta que se faziam é: qual a relação entre esses laços e o hábito de fumar?

Os resultados que obtiveram são até certo ponto surpreendentes e mostraram a influência do vínculo como forma de ajudar a pessoa a deixar de fumar.

Assim, se um cônjuge deixa de fumar, a chance de o outro cônjuge continuar fumando diminui em 67%; entre dois amigos diminuiu em 43%, entre colegas de trabalho, em 34%, entre irmãos (não estamos falando de Caim e Abel, claro) em 25% - porque irmãos adultos raramente convivem de forma intensa.

Exemplo funciona, pois, e funciona de forma proporcional à intensidade do elo afetivo. Os pesquisadores não incluíram pais e filhos, mas certamente aí também os resultados seriam apreciáveis.

Isto tudo é fácil de entender. Afinal, o próprio hábito do tabagismo resultou de um contágio psíquico, que a publicidade tratou de estimular.

Fumar não é, de início, uma coisa natural ou prazerosa; o jovem, por exemplo, começa a fumar porque outros jovens o fazem. É claro que depois o tabagismo se mantém não em função desse contágio, mas da dependência química, sem a qual a imensa maioria das pessoas já teria deixado do fumar.

Mas, assim como o fumo se propagou entre grupos sociais como coisa elegante, charmosa, a decisão de deixar de fumar também pode se propagar em grupos. E isto, como é fácil imaginar, tem conseqüências importantes.

Como dizem os autores: "Redes sociais podem ser utilizadas para disseminar bons hábitos de saúde. Os programas coletivos de combate ao tabagismo e ao alcoolismo são mais eficazes que aqueles dirigidos a indivíduos isolados".

Está aí uma grande sugestão. A decisão de deixar de fumar pode ser uma coisa da família, de colegas de trabalho, de grupos de amigos.

É o tipo do contágio psíquico que vai beneficiar as pessoas. Deixem de fumar. E não precisam nem colocar o pino da mesinha do avião na vertical para isso.

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