15 de julho de 2008
N° 15663 - Cláudio Moreno
Sejam bem-vindas
Os artistas e poetas representavam as Musas como donzelas graciosas, vestidas com recato, bem ao contrário de uma deusa provocante como Afrodite.
Pouca gente sabe, no entanto, que as longas túnicas que usavam serviam para ocultar, além de belas formas femininas, um par de asas discretas. As Musas podiam voar, para surpresa de muitos - especialmente de Pireneu, um rei da Trácia que tinha decidido possuí-las mesmo contra a vontade delas.
Certa manhã, no meio de uma tempestade, quando as Musas se dirigiam ao templo de Apolo por uma estrada que cortava o monte Parnaso, o rei atalhou-lhes o passo, dizendo-lhes, em tom amigável:
"Nobres filhas de Zeus, saiam desta chuva e venham abrigar-se no meu palácio; ele é modesto, mas não se envergonhem, pois casas ainda mais humildes do que a minha já foram visitadas pelos deuses".
Tranqüilizadas pelo tom respeitoso com que ele disse essas palavras, elas concordaram em se refugiar no vasto vestíbulo real. Só perceberam a armadilha quando, assim que a chuva parou e um vento fresco dissipou as nuvens, devolvendo ao céu o seu azul costumeiro, o portão foi fechado com estrondo e Pireneu investiu contra elas, pronto para violentá-las.
Não havia outra saída a não ser pelo alto, e elas então desdobraram suas asas e começaram a erguer-se lentamente nos ares, seguidas de perto pelo rei, que subia, aos pulos, os degraus da escadaria que levava ao topo da muralha.
"Não adianta fugir!", gritava ele, enlouquecido; "Onde vocês forem, eu irei atrás!". E quando elas chegaram ao nível dos telhados mais altos e começaram a se afastar, ele, no seu delírio, tentou ainda voar em seu encalço, mas mergulhou em queda livre e foi se arrebentar contra o solo.
Selvagem como todos os trácios, Pireneu acreditou ingenuamente que um simples mortal como ele poderia obrigar as Musas a mostrar seus encantos.
Ora, por serem deusas, não nos cabe determinar quando vamos recebê-las - da mesma forma como não podemos decidir quando vamos sentir determinado desejo ou emoção.
Assim como a alegria, a inspiração, o apetite ou o sono, elas não podem ser forçadas; para que ocorram, precisam se manifestar por conta própria.
Além disso, não é por acaso que essas cobiçadas divindades - as Musas, o Amor, as idéias - sempre foram dotadas de asas: é que elas são voláteis, e, ao contrário da fome e do sono, que sempre acabam voltando, podem nos visitar uma vez e afastar-se para sempre, se não se sentirem bem-vindas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário