quarta-feira, 30 de julho de 2008



30 de julho de 2008
N° 15678 - Martha Medeiros


O travesseiro

Eu estava na sala de embarque quando reparei naquele homem sisudo. Estava de terno escuro, gravata escura e tinha o semblante muito sério. Viajava sozinho. Não era um turista, percebia-se que iria voar a negócios. Segurava uma pasta executiva 007 numa mão. Na outra, um travesseiro.

Eu não conseguia tirar os olhos daquele travesseiro. Com fronha. Ela era branca com nuvenzinhas azuis. Um objeto íntimo nas mãos de um provável empresário que iria dormir num flat ou num quarto de hotel e que não colocaria sua cabecinha em nenhum outro travesseiro que não fosse o seu.

Comecei a entender melhor a expressão "vôo doméstico".

Tempos atrás, andar de avião era uma coisa chique. As pessoas se arrumavam bem, colocavam seu melhor casaco e não conseguiam disfarçar uma certa emoção (frisson seria a palavra apropriada). Mesmo sem querer, sentia-se no ar um quase esnobismo.

Definitivamente, não era uma galera de rodoviária. Estavam num aeroporto, um lugar onde tudo era límpido, elegante, iluminado e levemente erótico, a começar pela voz que saía dos alto-falantes anunciando a chegada e partida de outros eleitos.

Hoje uma voz anuncia, com certo tédio, que o embarque que seria efetuado no portão 6 será efetuado no portão 13 por causa do remanejamento das aeronaves, e que haverá um atraso de duas horas por falta de tripulação, e ninguém reclama, porque já tivemos dias piores (se bem que os dias piores podem voltar com a greve dos aeroviários).

Hoje vale tudo: viajar de chinelo, barriga de fora e travesseiro na mão. A questão do travesseiro é instigante, porque é sabido que tem gente que não consegue mesmo dormir longe do seu.

E há apegos ainda mais radicais. Uma vez, ouvi uma moça perguntando a outra por que ela levava uma mala tão gigantesca para passar apenas um final de semana fora. Resposta: porque ali dentro estavam seu travesseiro e seu edredom.

O edredom era de estimação também.

Eu sei que são inúmeros os afeiçoados ao próprio travesseiro. É como a menina que não viaja sem sua boneca, o menino que não sai de casa sem levar seu carrinho: são objetos que nos dão a sensação de que não estamos partindo totalmente.

Podemos estar sem pai nem mãe nesse mundão de Deus, mas trazemos algo do nosso lar. É um conforto mais espiritual que material.

Já eu acredito que viajar é sempre uma aventura e que devemos estar preparados para as surpresas que virão, incluindo o travesseiro do alheio, que pode não ser o ideal para nossa coluna torta. Mas há quem não aceite que vida é risco.

O fato é que já vi gente com as mais diversas e corriqueiras bagagens de mão: térmica, cuia, raquete, violão, Bíblia, berimbau, cachorrinho, crianças, mas chegar ao aeroporto pela manhã com o travesseiro ainda quente e com a fronha babada é, no mínimo, um ato de extrema personalidade. Bem que fazem. Dormem feito anjos.

Embora São Pedro continue de mal com a gente que tenhamos todos uma ótima quarta-feira.

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