domingo, 20 de julho de 2008



20 de julho de 2008
N° 15668- David Coimbra


Três chefes brabos

Uma vez eu tinha três chefes, e os três eram muito brabos. Trabalhava no escritório de cobranças da JH Santos, uma loja de departamentos que havia em Porto Alegre.

Os três chefes andavam sempre muito sérios pelo escritório, mãos às costas, observando tudo com olhos faiscantes, rosnando.

Quando eles estavam por lá, todo mundo permanecia em silêncio, de cabeça baixa, escrevendinho. Se por acaso alguém levantasse a cabeça ou se espreguiçasse ou desse uma olhada pelo ambiente ou falasse com um colega, um dos chefes pulava:

- Não tem o que fazer???

A gente não podia nem ir ao banheiro sem pedir, por Deus. Um dia um magrinho de bigode voltava do banheiro e um dos chefes o interpelou:

- Estás com problemas intestinais, rapazzz?

O magrinho de bigode enrubesceu: - Er... não... por quê?

- É a terceira vez que tu vais ao banheiro hoje! Eu estou contando!

Jogo duro.

Certa tarde, os três chefes saíram para ir a uma reunião. Nossa! A turma pulava pelo escritório, uns cantavam a música dos Menudos, outros dançavam, teve quem subisse na mesa. Naquele dia, descobri que o pessoal não trabalhava nem na presença dos chefes: muitos ficavam só rabiscando papel, fazendo de conta que escreviam algo. Vou dizer: aqueles chefes nos faziam odiar o trabalho.

Outro. Alguma vez já escrevi sobre o meu chefe lá na Microfilmagem do Estado? Cara, tenho que escrever sobre aquele meu chefe na Microfilmagem do Estado.

Ele usava peruca, meeen! É interessante esse troço da peruca, porque as perucas são sempre redondinhas e têm franja. O que diz muito acerca da popularidade da franja entre os carecas.

Imagino que todo careca queira ter franja, e uma franja em meia-lua. A verdadeira franja é em meia-lua. O meu chefe tinha uma. Tratava-se de uma franja vistosa, reluzente e bem redonda, só que artificial.

Ele chegava de manhã cedo, sempre à mesma hora, cinco minutos antes do horário, e sentava bem ereto debaixo daquela peruca. A mesa do meu chefe ficava no fundo da sala e lá ele se acomodava, quieto, olhando para nós.

Não fazia mais nada, não lia nada, não escrevia nada, não atendia ao telefone, não nos xingava, não nos elogiava, não dava nenhuma instrução; só nos olhava, inexpressivo, em silêncio. Eu achava: esse cara deve ser muito inteligente, porque ele fica pensando o tempo todo. Deve ser um filósofo.

Dei um jeito de me aproximar do chefe, puxar assunto e tal, para ver se absorvia um pouco da sabedoria dele. Mas para cada pergunta que eu fazia, para cada observação, para qualquer frase que dizia, a resposta dele era a mesma:

- Ahn?

E, depois disso, o vazio. O sujeito não tinha opinião, não tinha interesse algum, não pensava e, talvez, não sentisse também. O sujeito era de uma platitude soporífera. Era oco. manja?

E nós, sabe o que nós fazíamos, lá na Microfilmagem do Estado?

Tanto quanto havia debaixo da peruca do chefe: nada.

Passávamos o tempo inteiro atirando atilhos uns nos outros, brincando, fazendo sacanagem e nunca, nunca!, trabalhando. Tornei-me perito no lançamento de atilhos, matava as lagartixas da casa da minha mãe atirando atilhos com o dedo, a cinco metros de distância. Por quê? Por causa daquele chefe.

Com chefes tiranos, nós não fazíamos nada; com um chefe indiferente, não fazíamos nada. Não encontrar um bom chefe. Mas um bom chefe faz um grupo funcionar. Ó o Tite. Em poucos dias tirou do Inter o que o Inter não parecia ter mais. Imagina se o Inter tivesse um Tite antes...

E o Roth! O Roth aprendeu. Era rabugento como os meus chefes da JH Santos, mas mudou, e, quando um homem muda, e muda para melhor, demonstra inteligência.

Nada mais gratificante para um trabalhador do que ter um chefe que cresceu com a própria experiência e coloca essa experiência a serviço do grupo. Com Roth e um centroavante, acredite, o Grêmio vai brilhar nesse campeonato. Hoje, Grêmio e Inter estão bem de chefes.

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