sábado, 12 de julho de 2008



13 de julho de 2008 | N° 1566
Moacyr Scliar


Alguém aí quer ser musa?

Vocês gostariam, prezadas leitoras, de serem musas de um artista, um pintor, um poeta, um músico?

Existe uma tradição neste sentido, tanto que as nove musas dos gregos eram todas mulheres. Assim, Euterpe era a musa da música, Thalia, a musa da comédia teatral, Terpsícore, a musa da dança.

É clara a razão pela qual as musas tinham de ser do sexo feminino: na Grécia antiga, como de resto em quase todas as culturas, os artistas eram (e ainda são) quase sempre homens.

Para as mulheres, havia esse prêmio de consolação, que era a posição de inspiradora. Ao longo da história da pintura, por exemplo, não foram poucas as mulheres retratadas por grandes artistas.

Isto não quer dizer que essas mulheres fossem particularmente felizes. Para começar, a identidade de muitas delas até hoje é discutida. Tomem aquela que é possivelmente a retratada mais famosa da história da arte, a Mona Lisa. O sorriso da Gioconda, tão enigmático como sedutor, vem fascinando gerações.

No Museu do Louvre é muito fácil achar o quadro; há sempre uma pequena multidão na frente dele, com vários guias explicando, entusiasmados, o significado da obra. Agora: quem era essa mulher? Resposta clássica: trata-se de Lisa del Giocondo, mulher do comerciante florentino Francesco del Giocondo.

Mas há quem conteste esta idéia e existe até uma teoria segundo a qual a Mona Lisa é na verdade um auto-retrato de Leonardo vestido de mulher: a análise digital teria mostrado que as características faciais do rosto de Leonardo e do rosto da modelo coincidem, o que faria de Da Vinci um travesti enrustido (eis aí uma idéia para a continuação do Código Da Vinci).

Também se discute quem é a bela moça que aparece no quadro do holandês Jan Vermeer, Garota com Brinco de Pérola, título, aliás, de um recente filme. É a filha do pintor, Maria, é Magdalena van Ruijven, filha de seu patrono Pieter van Ruijven, é uma empregada, Griet? Até hoje os historiadores da arte não chegaram a um acordo.

Mesmo conhecidas, as musas não têm a felicidade garantida. Tomem o caso de Pablo Picasso, que trocava de musa como quem troca de camisa.

A primeira foi Fernande Olivier; seguiu-se Olga Koklova, uma bailarina russa com quem Picasso casou e a quem retratou muitas vezes. Quando o casamento começou a implodir Picasso retratou-a no mais feroz estilo cubista, com cores violentas.

Olga teve um colapso nervoso e acabou apunhalando o artista. Marie-Therese Walter, amante e modelo do pintor, deu-lhe uma filha e enforcou-se. Dora Maar, fotógrafa famosa, viveu com Picasso sete anos, ao cabo dos quais teve colapso nervoso. Picasso costumava retratá-la chorando.

Amedeo Modigliani, contemporâneo de Picasso, grande artista cujo talento em vida nunca foi adequadamente reconhecido, teve como musa a também pintora Jeanne Hébuterne.

Mulher devotada, ela queria casar com Modigliani, que, no entanto, não estava muito de acordo com essa idéia e recorreu ao truque baixo de escrever seu nome errado no documento de matrimônio para assim invalidá-lo.

A vida do casal era uma sucessão de brigas, agravada pelo fato de que o pintor, tuberculoso, bebia muito e era viciado em maconha; acabou morrendo cedo, aos 36 anos.

Na noite seguinte à do óbito, Jeanne, grávida de nove meses de um segundo filho, atirou-se do quinto andar do prédio onde morava, tendo morte instantânea.

São exemplos isolados, leitoras, mas servem para mostrar que não é fácil ser musa. Mas quem disse que é preciso ser musa? Melhor é ser companheira de um artista, de um profissional liberal, de um operário, de um empresário.

Companheira que preserva a sua identidade e não abre mão de seus objetivos. Ah, sim, e não precisa de muso nenhum para isso.

Nenhum comentário: