segunda-feira, 2 de setembro de 2024


02 de Setembro de 2024
CARPINEJAR

Os inocentes do X

Fui um dos primeiros adeptos do Twitter no país. Abri a minha conta em 2009, três anos após sua fundação nos Estados Unidos por Jack Dorsey, Biz Stone, Noah Glass e Evan Williams, o quarteto que revolucionou a comunicação digital com sua proposta de microblogging ("blogar rápido"). Vivíamos o auge dos blogs. O pássaro azul, logotipo do aplicativo, incitava-nos a cantar junto - seu nome é uma alusão a twitter ("gorjear" em inglês). Havia uma mágica naquele SMS público, um desafio de dizer muito em pouco, de escolher bem as palavras para que uma ideia coubesse exatamente em 140 caracteres (depois o tamanho dobrou para 280 caracteres).

Eu me senti enfeitiçado pela possibilidade de elaborar aforismos, máximas poéticas. Nunca parei de postar nesses 15 anos, com cinco ou sete mensagens por dia. Tanto que me tornei o primeiro autor brasileiro a publicar uma coletânea de frases feitas no Twitter em formato de livro.

Experimentávamos uma comunidade viva de informação, com trending topics (assuntos do momento), notícias e personalidades mais lembradas. Quando você queria descobrir se uma fofoca era verdade, consultava a barra de 20 tópicos mais populares.

Além das hashtags, dispúnhamos de recursos novos como linha do tempo, mensagens diretas, e respostas e menções nos tweets.

Diante da polarização ideológica das últimas eleições, aquele espaço passou a ser mais raivoso, com ataques a todo posicionamento aberto. Qualquer um poderia ser linchado em minutos por causa das divergências políticas. A ave celeste começou a ser apedrejada. Muitos deixaram de frequentar a rede por uma questão de saúde emocional. Aquilo que iniciou com a inofensiva pergunta "o que está pensando?" desandou para a subjetividade pantanosa de "quem você está odiando?".

Mas resistíamos, procurando adoçar, com a ternura de pequenas frases, a existência de milícias digitais. Eu contava com mais de 820 mil seguidores e acompanhava 13 mil perfis. Não permitia que a intransigência me contaminasse, separando o joio do trigo, os robôs dos humanos.

Em 2022, o multimilionário Elon Musk comprou a plataforma por US$ 44 bilhões e trocou o nome lendário por uma letra: X. Entre as novidades, os verificados com selo azul teriam que pagar para manter o privilégio, e quem não era famoso poderia adquirir a diferenciação.

Em seguida, deflagrou-se uma guerra entre Musk e a corte brasileira, em especial o ministro Alexandre de Moraes, chamado por Musk de ditador. Era o adeus ao poder ilimitado dessa mídia.

Assim Moraes determinou, na última sexta-feira, a suspensão do X no Brasil devido ao "desrespeito à legislação e o reiterado descumprimento de inúmeras decisões judiciais" por parte da plataforma, contrariando o Marco Civil da Internet. De acordo com essa legislação, de 2014, empresas que atuam na internet devem ter representantes no Brasil para responder na Justiça pelos seus atos. Elon Musk alega que não há representantes e ainda afirma que vai aproveitar para encerrar sua ação no solo brasileiro.

O que não é justo - sem entrar em detalhes do imbróglio judicial - é que os 9 milhões de usuários ativos no Brasil sejam prejudicados com a resolução, extrapolando a responsabilização dos envolvidos. Tantas pessoas que usavam o X para o trabalho ou para as suas relações sociais, entre as quais me incluo, perderam seus domínios e não fizeram nada de errado. Não postaram nenhuma ofensa, não agiram com intolerância religiosa, ou com preconceito, ou com injúria, ou com pornografia. Não violaram os códigos de conduta da comunidade. Permaneceram invisíveis para a lei, ou significaram uma massa de manobra no meio da negociação.

Quem garante que o mesmo não possa acontecer no futuro com o Facebook, com o Instagram, com o Threads, com o TikTok? Você aprende da pior forma que a conta nunca foi sua. 

CARPINEJAR

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