O caso Silvio Almeida
O que mais se destacou com a crise no Planalto foi a ideia de retrocesso de alguns anos num dia.
Havia o temor de que a luta antirracista perdesse sua força após o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida - um dos bastiões da questão racial, representante do Instituto Luiz Gama, autor do livro Racismo Estrutural -, receber denúncias de assédio sexual da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, e de outras mulheres, incluindo a professora universitária Isabel Rodrigues, que teria sido importunada num restaurante por baixo da mesa.
Os relatos chegaram pela ONG Me Too.
Na opinião pública, estabeleceu-se um estado de luto e de pesar, pela queda de um grande expoente do campo progressista, pela reputação conspurcada de uma liderança jurídica na defesa da igualdade.
Silvio Almeida, professor universitário, advogado e filósofo, doutor em direito pela Universidade de São Paulo (USP), tinha pretensões de concorrer ao Senado por São Paulo, e agora precisará dedicar os próximos anos a se defender das mais sérias acusações de sua vida.
Eu peço permissão para discordar do amplo sentimento da maioria: não regredimos, mas avançamos. Aliás, o escândalo significou um salto qualitativo no nosso comportamento.
Diferentemente da prática comum de relativização da violência contra a mulher, um ministro acabou sendo demitido em menos de 24 horas, respeitando-se a palavra e a ferida de uma autoridade feminina. Prevaleceu a dor de uma mulher negra que ocupa um espaço de poder inédito. Anielle não foi questionada, não foi constrangida, não foi desacreditada. Confiou-se inteiramente em sua indignação.
Tanto que, em nota oficial, "o presidente considerou insustentável a manutenção do ministro no cargo considerando a natureza das acusações de assédio sexual".
Isso é um fortalecimento das esferas democráticas.
Ninguém está acima da lei. Ninguém está blindado pelo seu cargo. Contra o assédio, não há atenuantes ou boas intenções, não há como discutir ou mesmo se valer da suspeita de perseguição ideológica.
Estamos finalmente amadurecendo para a verdade, para combater o machismo estrutural que dissemina uma mentalidade tóxica, que ainda insiste na naturalização da violência pela sedução ou pelo amor, na possibilidade de dispor do corpo da mulher como se ele não fosse dela, invadindo ou profanando a liberdade individual.
A dispensa sumária do ministro, para ser investigado depois, é tão importante simbolicamente quanto a derrubada da defesa de honra como argumento para justificar a morte da esposa ou da companheira.
Torna-se uma luz em nossas trevas, num país que ocupa o quinto lugar no ranking mundial de feminicídio segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), apenas atrás de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia. Em comparação com países desenvolvidos, aqui se mata 48 vezes mais mulheres do que no Reino Unido, 24 vezes mais do que na Dinamarca e 16 vezes mais do que no Japão ou na Escócia. O número de assassinatos de mulheres em 2023 alcançou um triste recorde com 1.463 vítimas, numa alta de 1,6% em relação a 2022.
Uma mulher é assassinada a cada seis horas no Brasil. 3.422 mulheres são assediadas a cada uma hora no Brasil. Quarenta e sete por cento das brasileiras afirmam ter sofrido uma abordagem sensual ou sexual alheia à vontade.
A denúncia é um ato de extrema coragem, que jamais pode ser menosprezado.
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