Paulo Artaxo - Professor do Instituto de Física da USP e membro do Painel Intergovernamental de Mudanças
Climáticas (IPCC)
"Podemos não estar muito longe de um ponto de não retorno na Amazônia"
Um dos maiores especialistas em mudanças climáticas no país, o professor Paulo Artaxo, da USP, esteve presente na reunião entre os líderes dos três poderes na terça-feira, em Brasília, convocada para discutir a seca e as queimadas. Em entrevista a ZH, ele falou sobre o tema.
Danton Boatini Júnior
Qual a relação entre a enchente no RS e a seca histórica que o país enfrenta?
A relação é direta, no sentido de que as mudanças climáticas estão provocando aumento de eventos climáticos extremos, o que inclui cheias e grandes secas, no mundo inteiro, não só no Brasil, mas também na Europa, nos Estados Unidos, nos países da África, no sudoeste da Ásia e assim por diante. Então, estamos vendo um crescimento muito forte dos eventos climáticos extremos.
A que se deve esse cenário?
Todo evento climático extremo tem várias razões, não é uma única. No caso das chuvas intensas no Rio Grande do Sul, isso se deveu, além de um maior volume de vapor d?água sendo transportado para o Estado, à presença de um grande centro de alta pressão estacionário sobre o Estado de São Paulo, que fez com que todo o vapor d?água que iria subir e desaguar em toda a região sul do Brasil, infelizmente, essa quantidade gigantesca de água, desaguasse no Rio Grande do Sul. Então, isso é um reflexo da mudança da circulação atmosférica na América do Sul, junto ao maior fluxo de vapor d?água para o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, para a região sul do Brasil.
Qual a dimensão desta seca?
Isso foi compilado pelo Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) e também por pesquisadores do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), que mostraram que esta é a seca mais forte dos últimos 120 mil anos na Amazônia. Foram feitos muitos estudos que mostraram claramente que o novo normal da floresta amazônica é um normal onde haja muito mais eventos extremos, não só secas, mas também grandes cheias dos rios. Tivemos, em 2022, enchentes importantes no Acre, em várias regiões da Amazônia, e agora estamos tendo o Rio Madeira com cerca de 70 centímetros de profundidade, quando ele deveria estar nessa época do ano com mais de dois ou três metros. Então, esses eventos climáticos extremos estão sendo provocados pelas mudanças climáticas.
Qual o impacto do atual cenário para os nossos biomas?
A ciência tem mostrado que podemos não estar muito longe de um ponto de não retorno na Amazônia, onde o avanço do desmatamento e o avanço das mudanças climáticas podem comprometer o mecanismo de reciclagem de chuvas na região. Se você compromete esse mecanismo, pode haver um colapso do ciclo hidrológico que mantém a floresta. Temos de ficar atentos, temos de zerar o desmatamento da região amazônica, bem como acabar com a exploração de combustíveis fósseis no planeta todo e no Brasil em particular.
Tem se falado muito em aumentar pena contra crimes ambientais. Deveria haver punição também aos países que desmatam?
Não há dúvida nenhuma. Os compromissos de redução de emissões de gases de efeito estufa do Acordo de Paris hoje são completamente voluntários, não um commitment (compromisso, em inglês). Temos de mudar isso para que haja um sistema que possa punir, por exemplo, os Estados Unidos, por não reduzir as suas emissões. Isso, do ponto de vista diplomático, é extremamente difícil de ser implementado, por causa do sistema de como a ONU funciona. Mas muita coisa, por causa da emergência climática, vai ter de ser mudada, e isso é uma delas.
O que a crise climática de 2024 nos diz sobre o futuro?
O Brasil é um dos países mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas, pela sua localização tropical. Temos cidades como Teresina, Palmas e Cuiabá que já vivem no limiar superior de temperatura, e, com o planeta três graus mais quente, que é para onde estamos caminhando com as emissões que temos hoje, essas cidades podem vir a se tornar muito difíceis, do ponto de vista de habitabilidade. Isso é uma coisa que nós, como brasileiros, temos de pensar muito cuidadosamente, ponderar as nossas emissões de gases de efeito estufa, com estes cenários que podem comprometer o futuro do nosso país, e trabalhar para que a gente possa efetivamente reduzir as emissões, se adaptar ao novo clima e, basicamente, tomar posição de liderança na construção de um planeta mais sustentável.
Você participou, na terça-feira passada, de uma reunião com o presidente Lula e com os presidentes dos demais poderes. Qual mensagem você levou a eles?
Levei uma mensagem de que o Brasil tem tarefas urgentes para serem cumpridas. O Brasil tem um potencial enorme de se tornar, no futuro, uma potência em termos de energias renováveis, mas isso depende das políticas públicas que o Executivo, o Judiciário e assim por diante vão ter de implementar. Então, é um desafio grande para o país, mas o Brasil não pode fugir desta responsabilidade.
Como avalia a resposta do poder público até o momento?
Na terça-feira, já foram assinadas várias medidas provisórias, uma delas aumentando os recursos para o Ibama e para o Prevfogo (Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais). Outras estão em estudos. Há hoje uma pressão popular muito grande. Os eventos no Rio Grande do Sul e a seca da Amazônia estão mostrando que a sociedade não está tolerando mais o descaso com o meio ambiente. E isso pode ser um ponto de virada para o governo brasileiro.
O início da primavera, neste domingo, pode trazer alívio no cenário de seca e queimadas?
No caso da Amazônia, espera-se que as chuvas só comecem efetivamente no final de novembro. Então, ainda temos um mês de outubro inteiro de secas. Isso pode levar a um recorde absoluto de áreas desmatadas e de queimadas na Amazônia em 2024, o que é evidentemente uma questão muito ruim para o atual governo.
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