Golpe de Sorte
Tento entender minha paixão por este cineasta que conseguiu a façanha de virar persona non grata, a despeito de toda a sua genialidade. Deve ser identificação. Allen, que já explorou assuntos como a era do rádio, o sentido da vida e da morte, as relações entre irmãs, amores em Nova York (e seu amor por Nova York), tem se fixado em um tema único: os acasos que determinam destinos. Tornou-se um obcecado pelas fatalidades, e a gente respira fundo, agradecidos. É a forma mais fácil de nos desresponsabilizar sobre o que nos acontece.
O que tiver que ser, será. É da sorte a última palavra.
Está aí um bom pretexto para não esquentar demais a cabeça e nos dedicarmos às caminhadas, à música, aos encontros, a uma noite divertida, a um romance escondido, essas sofisticações do grand monde, a vida como um baile na corte. Até que Woody Allen interrompe a orquestra e faz cair as máscaras dos dançarinos. Daí para frente, se dar bem ou se dar mal deixa de ser um resultado previsível.
Pagar à sorte sua parte no negócio não é coisa que os bem-aventurados costumam cumprir. Quem fica com os louros, como sempre, é a dedicação, o empenho, a estratégia, o suor. Desprezada, a sorte raramente é enaltecida, o que não é justo. Dizer que a sorte só acompanha aqueles que trabalham duro é uma meia-verdade. Algumas pessoas se esgotam das 7h às 22h e a sorte nem aí. Há que se bajulá-la mais.
Em Golpe de Sorte em Paris, que pode vir a ser seu último filme, Woody Allen foi moralista como não foi em Match Point. Neste mundo com escassez de finais felizes - estamos na mira dos maus e sendo abatidos à queima-roupa - é preciso dar o troco, nem que seja artisticamente. Se foi mesmo sua última contribuição cinematográfica, aplausos aos minutos finais. Basta de ver o caçador empalhar a cabeça da sua presa e pendurá-la na parede. Cedo ou tarde, o cervo tem que ser vingado.
MARTHA
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