terça-feira, 24 de setembro de 2024


24 DE SETEMBRO DE 2024
NÍLSON SOUZA

Chupeta digital

Já fui Papai Noel por um dia. Na verdade, por algumas horas, para fazer uma reportagem. Troquei de lugar com o Papai Noel do shopping e recebi a visita de algumas crianças desconfiadas, sentindo-me, evidentemente, um legítimo farsante. A parte mais dolorosa da experiência foi ter que aceitar a chupeta que um menininho de dois ou três anos me alcançava com ar relutante, estimulado pelo pai. Até hoje considero esse rito uma verdadeira crueldade com as crianças e também uma desconsideração para com o Bom Velhinho, que nunca mais irá recuperar a sua imagem diante do piá expropriado de seu objeto preferido.

Pois a notícia de que o governo federal está preparando um projeto de lei para proibir o uso de celulares nas escolas me fez lembrar daquele episódio dramático do pretérito Natal. Cassar o aparelhinho da gurizada, ainda que por algumas horas, será como tirar bico de criança. Pelo que dizem os especialistas e a própria Unesco, trata-se de uma medida urgente e necessária, pois a obsessão tecnológica está afetando fortemente o aprendizado, tirando a concentração da garotada e provocando dependência emocional.

Mas vai ser uma barra. No mínimo, teremos crises de abstinência. As pessoas estão de tal forma viciadas no brinquedinho digital - crianças, adolescentes e adultos - que caem em desespero quando ficam sem internet ou sem eletricidade para carregar a bateria. Quem não lembra daqueles filas enormes nas tomadas dos shoppings durante a inundação? Além disso, nem todos os pais aceitarão pacificamente que seus filhos entreguem a chupeta digital para os professores ou para os servidores da escola. Vem controvérsia aí, podem ter certeza.

O problema é global. Vários países vêm debatendo essa questão, alguns já decididos pela proibição, outros optando por alternativas intermediárias como a obrigatoriedade de deixar o aparelho desligado na mochila. E sempre tem quem sonhe com aquela solução mágica, que raramente funciona, de utilização do celular no período de aula, como ferramenta de estudo e aprendizado.

Sinceramente, não sei como resolveremos esse dilema. De minha parte, prefiro mil vezes uma solução negociada à simples proibição, que sempre recende a autoritarismo. Só tenho certeza de uma coisa: o relator desse projeto, como o Papai Noel farsante, vai sair chamuscado. _

NÍLSON SOUZA

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