segunda-feira, 30 de setembro de 2024


30 de Setembro de 2024
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

GPS da Economia

"Se há algo comum entre Kamala e Trump é previsão de governo com déficit crescente"

Respostas capitais - Adriano Cantreva - Sócio da Portofino Multi Family Office, gestora de fortunas com raiz gaúcha, com passagens por Itaú e XP Investimentos

Adriano Cantreva, com três décadas de experiência no mercado, acompanha as movimentações da maior economia do mundo do escritório da Porfotino em Nova York.

Qual foi aí o tamanho da surpresa com a decisão do Fed?

O mercado estava dividido. Às vésperas da reunião, as apostas de corte maior subiram. Mas essa não é a forma como o Fed costuma atuar. Um corte de 0,25 ponto percentual (p.p.) era consenso na semana anterior. Depois, houve declarações de que o corte seria mais ousado, e começou a firmar a expectativa de corte de 0,5 p.p. O mercado ficou um pouco surpreso, mas não faz tanta diferença. O que pesa mais é a mensagem.

E qual foi a interpretação?

Uma é econômica, de priorizar agora mais a atividade econômica (o Fed tem duplo mandato, para conter a inflação e propiciar pleno emprego). É importante, mas estamos a um mês e meio da eleição. Em geral, o Fed tenta ser meio neutro. Esperava-se que, por precaução, optasse por um corte de 0,25 p.p. para não ser acusado de tomar partido.

Existe risco de decisão do Fed ser vista como política?

Nunca trabalhei no Fed, mas não é muito claro que seja extremamente apolítico. Sabe-se que há forte pressão interna, esse fator não é desprezível. A gente não fica surpreso com esse tipo de coisa. Claro, nada é explícito, mas que existem determinadas linhas políticas, existem. Se há algo comum entre Kamala (Harris) e (Donald) Trump é a previsão de governo com déficit crescente. Começou a se agravar com a covid, mas o déficit aumentou muito. No caso de Kamala, seguiria a linha de concessão de subsídios do governo Biden. No de Trump, por cortes de impostos.

Outra leitura não foi a de que o Fed estava chancelando o temor de recessão nos EUA?

Sim, a redução do juro é claramente um fator positivo, mas nos Estados Unidos é um pouco diferente do Brasil. Aqui, a taxa que o Fed controla incide mais sobre aplicações. A taxa que impacta grandes bens de consumo é a taxa dos títulos do Tesouro americano de cinco ou 10 anos. Há uma compensação entre essas taxas. Quanto mais o Fed baixa a de curto prazo, mais a expectativa das de longo prazo sobe. É o que temos visto depois do corte.

Por que isso ocorre?

Quando o Fed baixa sua taxa, a expectativa é de que a inflação futura seja maior, porque solta o freio da atividade. É um efeito-gangorra. E como o Fed e seu presidente, Jerome Powell, deram sinais de mais afrouxamento, o mercado precificou mais um corte de 0,5 ponto percentual lá na frente. E mais inflação.

Qual é o grande debate econômico da eleição?

O aumento de gasto dos democratas é mais na linha social, assistencial. Propõe reduções no imposto de renda para famílias com crianças e subsídios à moradia. A intenção é aumentar o número de pessoas que já recebem esse benefício, vão baixando a renda. O de Trump é mais no corte de impostos. Não aumentaria gastos, mas reduziria a receita.

Esse aumento do déficit não é preocupante, em um país em que a dívida já equivale a 120% do PIB?

Os dois candidatos vão manter o déficit em alta. O problema não vai aparecer no curto prazo. O mercado não foca nisso. Todo mundo sabe que existe uma situação que tem de ser resolvida. Agora mesmo está passando um acordo para elevar o teto da dívida, porque ninguém quer ser culpado por "fechar o governo" (referência ao shut down, quando serviços públicos são paralisados por falta de orçamento). Será necessária uma solução de longo prazo.

Há risco de Trump voltar a sair do Acordo de Paris?

Ele não tem falado muito no assunto, mas não se pode garantir nada. De Trump se pode esperar tudo.

O mercado tem mais simpatia por Trump?

O apoio do mercado é mais amplo porque, bem ou mal, ele é uma pessoa de negócios, entende como o mercado funciona. Kamala é vista como burocrata, foi procuradora, é menos ligada ao mundo dos negócios. Os democratas aumentaram muito a burocracia, o que reduziu muito a construção de casas. Hoje, construir nos EUA é uma dor de cabeça. Precisa ter financiamento barato. 

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