HISTORIA
Como foi a revolução que influenciou a cultura e identidade do povo gaúcho
As comemorações do mês farroupilha remetem ao conflito que, no século 19, chegou a culminar com a proclamação da República Rio-grandense. Mas o separatismo não era uma questão para os farrapos, afirmam historiadores, atestando que versões sobre o ocorrido variam e contêm enganos
A revolução teve início em 20 de setembro de 1835, com a tomada de Porto Alegre, e durou até 1845. Os revoltosos propunham mudanças estruturais em um contexto monárquico de centralismo do poder. Havia pouca autonomia e predominavam interesses econômicos provinciais, explica Luciano Aronne de Abreu, professor da PUCRS. Em 1836, foi proclamada a República Rio-grandense, ou República do Piratini.
O conflito ocorreu após Dom Pedro I abdicar do trono em 1831, e o país passar a ser administrado por regências. Com isso, o poder central ficou enfraquecido, e revoltas surgiram no Brasil, conforme Rodrigo Perla Martins, professor da Universidade Feevale. A Revolução Farroupilha foi a mais longa da História do Brasil.
Afinal, foi uma revolução?
Martins lembra que episódios históricos sempre são contados com base em interpretações. Há diferentes visões, por exemplo, sobre o próprio conceito: se foi revolta, revolução ou guerra.
A motivação para a revolta era, sobretudo, econômica, ligada aos impostos cobrados sobre o charque, que enfrentava maior taxação do que o charque estrangeiro. Os farrapos defendiam proteção ao produto gaúcho contra a concorrência platina e redução dos impostos de importação do sal.
O conflito dividiu forças políticas dentro do próprio Estado: nem todos os rio-grandenses eram farroupilhas e republicanos. Alguns eram partidários do Império e lutaram contra a revolta. Já os farroupilhas dividiam-se entre monarquistas e republicanos, mas se uniam na defesa de uma maior autonomia político-administrativa provincial, bem como na questão econômica, explica Abreu. Bento Gonçalves, David Canabarro, Giuseppe Garibaldi e Duque de Caxias foram personagens marcantes no episódio.
Foi, no fim das contas, uma revolta da elite, promovida por parte dos estancieiros, e não uma revolução popular, frisam os historiadores. Dessa pequena parte, menor ainda era o contingente de quem desejava separação do Brasil - não se falava em separatismo, e sim em mostrar insatisfação.
- Separatismo é muito de uma atualização dessa revolta - define Martins. - É algo dos últimos 30 anos, não bate com a realidade, essa revolta era malvista logo que acabou, porque a população sofreu, houve muita violência.
Os farrapos foram derrotados. Houve uma negociação e foi firmado um acordo de paz - no qual os escravizados voltariam a ser escravizados. Parte das estâncias havia prometido liberdade, mas isso não foi aceito pelo Império. Os revoltosos foram anistiados. _
Tradições foram construídas a partir de interpretações recentes
- O mito de origem do gaúcho seria a Revolução Farroupilha. Ali seria o marco originário - diz o professor Luciano Abreu.
À época, porém, nem todos os rio-grandenses eram gaúchos - não foi, portanto, a "guerra dos gaúchos", alerta o historiador da PUCRS. Em meados de 1800, gaúcho era o peão que trabalhava no campo e nas estâncias, realizando serviços eventuais - ele não era escravizado, era livre, mas, muitas vezes, era um negro alforriado ou um mestiço. Ocupava, portanto, a base da pirâmide social. Os gaúchos, porém, lutaram como soldados.
Após a guerra, a visão do gaúcho vai sendo positivada, como um homem que anda a cavalo e trabalha, é valente, luta nas guerras. E a revolução vai sendo vista como heroica, define Abreu.
- Como se farroupilhas fôssemos todos nós. Essa é uma construção histórica. Você vai positivando isso historicamente, nas memórias, na literatura.
Isso ocorreu, sobretudo, a partir de 1935, no centenário da revolução, quando foi realizada uma grande exposição no Parque da Redenção - que ficou conhecido como Parque Farroupilha.
O episódio influenciou os símbolos gaúchos como a bandeira, o brasão e o hino e, mais recentemente, a identidade do povo. Já o gaúcho pilchado do movimento tradicionalista é uma construção histórica ainda mais recente: em 1948, funda-se o 35 CTG, primeiro Centro de Tradições Gaúchas; a Semana Farroupilha é criada em 1964 pelo governo do Estado e, em 1966, surge o Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG). O Acampamento Farroupilha, no Parque Harmonia, na Capital, foi instalado em 1981.
Fernanda Polo
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