quarta-feira, 31 de agosto de 2022


31 DE AGOSTO DE 2022
ALMANAQUE GAÚCHO

Ditador uruguaio entre os laureados da UFRGS

O texto a seguir é uma colaboração do jornalista Luiz Cláudio Cunha, autor do livro Operação Condor: o Sequestro dos Uruguaios (Editora L&PM, 2008), e parte dessa história está no Anexo I, chamado O Uruguai Sequestrado.

Vi a matéria sobre a justa cassação, pela UFRGS, dos títulos honoris causa, concedidos pela universidade, aos generais Médici e Costa e Silva. Um de 1970 e outro de 1967, no auge de suas estripulias como ditadores. Curioso, fui conferir a lista completa dos 231 homenageados no site do conselho universitário (Consun), onde a dupla desfrutava da companhia de gente decente e ilustre como Paulo Freire, Mario Quintana, Raymundo Faoro, Erico Verissimo, José Saramago e Umberto Eco, entre outras figuras memoráveis.

Na lista, para minha surpresa, encontrei o nome de Aparicio Méndez (1904-1988) agraciado com o título de Doutor Honoris Causa da UFRGS, em 7 de maio de 1957. A sessão solene foi em 16 de março de 1959, quase dois anos depois. O homenageado é o advogado uruguaio e professor de direito da Universidad de La República, em Montevidéu, a mais importante do país, onde lecionou entre 1934 e 1955.

Ele deixou de lecionar na universidade depois que os estudantes o acusaram de usar a sala de aula para defender Mussolini e o regime fascista italiano. Ele entrou na História do Uruguai pela porta dos fundos, quando foi nomeado o terceiro dos quatro presidentes enxertados no poder pelos generais na ditadura de 1973-1985. Antes de chegar ao poder, Méndez foi membro do Conselho de Estado, o órgão inventado pelos generais para substituir o Congresso Nacional, fechado pelo golpe militar de junho de 1973.

O antecessor de Méndez no cargo, também nomeado pelos generais, foi o advogado e historiador Alberto Demicheli, um fantoche da ditadura que durou só três meses no posto. Dócil, Demicheli assinou os dois primeiros Atos Institucionais dos nove que a ditadura implantou, repetindo o modelo autoritário do regime que a inspirava, a dos generais brasileiros, que chegaram ao poder nove anos antes, em 1964.

O AI-1 do Uruguai, de junho de 1976, suspendeu as eleições presidenciais previstas para aquele ano. Dias depois, o AI-2 de Demicheli inventou o Conselho Supremo da Nação, composto por cinco civis bem-comportados e pelos 21 oficiais-generais das forças armadas que, naquele momento, mandavam no país.

Nem o manso Demicheli topou assinar o AI-4, que cassava, por 15 anos, os direitos políticos de cerca de 15 mil cidadãos, a maioria políticos - praticamente a elite dirigente do país, os que ousaram disputar no voto a presidência, da direita à esquerda. Demicheli caiu e, naquele mesmo dia, 1º de setembro de 1976, assumiu Méndez, que disciplinadamente assinou o AI-4 exterminador.

Méndez fechou o ciclo autoritário no Uruguai, firmando, entre outros, o AI-7, que extinguia a segurança de emprego de 150 mil funcionários públicos do país e classificava os cidadãos em níveis de adesismo ideológico, a partir de um bizarro "certificado de fé democrática". No seu governo de fachada, Méndez foi derrotado no plebiscito que os generais convocaram, para novembro de 1980, que aprovaria uma constituição esculpida para legitimar a ditadura.

Os generais pensavam que o povo iria escolher patrioticamente a papeleta azul-celeste, impressa na cor da bandeira nacional, onde constava o "sim". Mas a "ingrata" maioria dos uruguaios preferiu a papeleta do "não", impressa em amarelo.

Méndez, um medíocre jurista de 72 anos, para bajular os generais que lhe deram o emprego, poucos dias após a posse de Jimmy Carter na Casa Branca (1977), atacou duramente a inusitada política de defesa de direitos humanos de Carter, que deixava em sobressalto todas as ditaduras do Cone Sul, declarando: "O Partido Democrata dos EUA é uma cova de comunistas!"

Vale lembrar que, no infame período de governo de Méndez, de 1976 a 1981, aconteceu, em Porto Alegre, o sequestro dos uruguaios Universindo Díaz e Lilián Celiberti e de seus dois filhos, executado em novembro de 1978 com a presença clandestina de um comando da repressão do exército uruguaio, atuando em cumplicidade com o Dops gaúcho do afamado delegado Pedro Seelig. Foi o único fiasco internacional da Operação Condor, graças ao testemunho involuntário de dois jornalistas gaúchos que, alertados por um telefonema anônimo, quebraram o sigilo da empreitada, denunciaram o crime e, com isso, salvou-se a vida dos sequestrados.

O comandante do exército uruguaio que cometeu o sequestro em Porto Alegre era o general Gregorio Goyo Álvarez, que sucederia Méndez na presidência, em setembro de 1981, como o último governante da ditadura.

Como os generais revogados, Méndez não merece conspurcar a excelsa lista de personalidades que a UFRGS homenageia."

ADÃO WONS

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