12 DE AGOSTO DE 2022
CARPINEJAR
No meu tempo não era melhor
Eu não sou nostálgico a ponto de dizer que no meu tempo era melhor. Não era melhor. Não concordo com a mania de catalogar o tempo de outrora com uma superioridade moral.
Talvez os meus filhos não saibam o quanto são privilegiados. Eu só fui ter roupas para chamar de minhas a partir dos 13 anos. Eu herdava as vestes do meu irmão, com as medidas maiores do que as minhas, com as mangas e as bainhas largas. Parecia que eu estava participando de uma corrida de saco de estopa.
Se a calça furava, a mãe vinha costurar remendo de couro. Todo dia eu estava pronto para a festa junina - um dia por ano eu acertava. Íamos a pé para a escola. Jamais recebíamos carona, nem com febre. Aliás, íamos para a escola com febre, esperando que ela passasse. Não pegávamos ônibus para chegar à aula: caminhávamos, não importando a distância. Sorte daqueles que moravam perto da escola, como eu.
Nossa família não era pobre, era simples. Todos eram simples, com exceção da classe alta. Forrávamos os sapatos com papel de jornal quando a sola furava. Levávamos ao sapateiro em caso de emergência, aguardando um orçamento milagroso.
Em dias de chuva, nossas peças secavam atrás da geladeira ou perto do fogão a lenha. Quando tomava banho, caía a luz. Gritava desesperadamente para alguém levantar o disjuntor. Ninguém ouvia. O rodo ficava atrás da porta e eu precisava faxinar ao final da chuveirada, que inundava todo o piso desprovido de divisórias e níveis. Recém havia me limpado e já me encontrava suado.
A cortina no box servia de única proteção. Com o vento da janela, ela inflava, grudava no corpo ensaboado e assim nos plastificava. Eu lutava com a cortina e, às vezes, reagia com muita força e ela despencava do seu mastro.
Enfrentávamos dificuldade para controlar a água quente. Descia um fiozinho tépido capaz de lavar apenas metade do rosto. Ao tentar aumentar a torrente, descambávamos para o frio. A torneira lembrava um cofre, cuidávamos das polegadas de cada giro. Uma volta ambiciosa poderia ser irreversível.
Sempre havia uma gota gelada no meio da ducha quente. Não se conseguia permanecer centrado debaixo do chuveiro. A gota nos perseguia, implacável, como uma mosca diante de um peixe.
Se raciocinarmos com realismo, há pessoas que nunca tiveram nenhum tempo melhor do que o outro. A fome no Brasil atinge mais de 33 milhões de pessoas. A cada 10 brasileiros, seis convivem com insegurança alimentar. O país possui 35 milhões de pessoas sem acesso à água tratada, e quase metade dos lares sem coleta de esgoto. Ainda existe grande parte da população na pré-história, fora de qualquer sentimento de saudosismo.
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