terça-feira, 30 de agosto de 2022


30 DE AGOSTO DE 2022
CARLOS GERBASE

Meu patriotismo

Estamos iniciando uma semana da pátria especial. Passaram-se 200 anos desde que o imperador D. Pedro I deu seu grito de suposta rebeldia contra a potência colonizadora europeia que ele mesmo representava. Lembro bem dos festejos dos 150 anos. Tinha até uma musiquinha tocando nas rádios e antes das sessões de cinema. Começava assim: "Marco extraordinário/ Sesquicentenário da Independência/ Potência de amor e paz/ Esse Brasil faz coisas/ Que ninguém imagina que faz". Eu, com 13 anos, realmente nem imaginava o que o Brasil, em plena ditadura, estava fazendo. 

Mas, poucos anos depois, minha consciência estava ampliada. Em 1984, codirigi o filme Verdes Anos com Giba Assis Brasil. Há uma cena em que um bando de adolescentes entra num cinema, em 1972, com a tal musiquinha no fundo. Eles, como nós no início dos anos 1970, nem questionavam se a "potência de amor e paz" era realmente amorosa e pacífica. O filme mostra um ritual de passagem da absoluta alienação para uma aproximação, mesmo que imperfeita, da verdade histórica.

Chegar mais perto da verdade fez muita gente repensar o conceito de patriotismo, que na escola sempre foi mostrado como positivo. Duvido que alguém da minha geração, quando criança, tenha escapado de desenhar a bandeira do Brasil na semana da pátria. Contudo, quando percebi que a musiquinha mentia sobre a realidade da minha pátria, passou a ser impossível amá-la incondicionalmente. 

E, a partir daí, ficou tentador pensar como Samuel Johnson (em 1775) e declarar, com certa raiva, que o patriotismo é o último refúgio dos canalhas. Basta pesquisar um pouco, entretanto, para descobrir que James Boswell, biógrafo de Johnson, registrou que o grande literato inglês não se referia a um amor real pela pátria, e sim ao "pretenso patriotismo que tantos, em todas as épocas e países, têm usado como um manto para os próprios interesses".

Obrigado, Boswell! Matou todas as minhas apreensões! Eu ainda posso me emocionar de verdade durante o Hino Nacional (mesmo que ele seja longo demais e tenha versos quase incompreensíveis). E ainda posso declarar meu amor pelo Brasil, minha nação, meu chão, meu lugar no mundo, meu quintal de brincadeiras e de muito trabalho, meu espaço de comunhão com seres humanos de todos os gêneros, de todas as etnias, de todas as classes sociais, de toda rica diversidade que caracteriza esse país tão cheio de problemas e injustiças, mas que ainda merece ser amado. Meu patriotismo não depende do governante do momento ou de seus interesses espúrios. Amar a pátria é o primeiro passo para torná-la realmente mais amorosa e mais pacífica.

CARLOS GERBASE

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