Fabrício Carpinejar
Não é similar ao assassinato de George Floyd em Minnesota,
em maio de 2020, com a sádica ação policial que comoveu e causou manifestações
de veemente repúdio nos Estados Unidos e no mundo?
São Gabriel é o anjo que anunciou a vinda de Jesus para
Maria, emissário da Justiça e da Verdade. Inspirou o nome do município gaúcho,
com 60 mil habitantes, na Fronteira Oeste, a 320 quilômetros de Porto Alegre. Gabriel
Marques Cavalheiro, de 18 anos, era um jovem que viajou até São Gabriel para
ficar na casa do tio e prestar serviço militar.
Se fosse um garoto branco, isso aconteceria? Acrescenta-se o
fato de ser pobre e forasteiro, ainda sem vínculo comunitário. A cidade e o
adolescente, ambos batizados com o nome do mesmo arcanjo, encontraram-se num
destino trágico e dependem agora da Justiça e da Verdade para reaverem a paz.
Gabriel não chegou a servir ao Exército, o seu sonho de
emancipação. Seu corpo terminou localizado num açude, em Lava Pé, depois de ser
abordado com violência por policiais. Testemunhas relatam que ele foi espancado
com cassetetes na cabeça três vezes e posto, desacordado, na viatura. Três
brigadianos fizeram a operação.
Não se tem uma explicação verossímil a respeito do que
Gabriel era acusado. É tudo nebuloso. Houve uma denúncia do 190 relatando uma
tentativa de invasão à residência de uma vizinha. Mas Gabriel poderia estar
simplesmente pedindo ajuda, perdido numa cidade nova, que recém vinha tateando.
Teve o infortúnio de se ver no lugar errado, na hora errada, com as pessoas
erradas e desconfiadas. E se a prisão resultou de um engano?
Quem olha as suas fotos – o corpo franzino, os óculos
grandes, o temperamento tímido – não tem como imaginar qualquer agressividade
da parte dele, qualquer ameaça, qualquer resistência à força policial.
Familiares e amigos o descrevem como um “guri do bem”.
Pais perderam um filho, avós perderam um neto que estava sob
custódia do Estado. Existiu um homicídio em que são apurados a covardia e o
abuso de autoridade. Caso a investigação confirme os rumores da truculência da
Polícia Militar, ela não poderá ser perdoada. Se fosse um garoto branco, isso
aconteceria? Acrescenta-se o fato de ser pobre e forasteiro, ainda sem vínculo
comunitário.
Não é similar ao assassinato de George Floyd em Minnesota,
em maio de 2020, com a sádica ação policial que comoveu e causou manifestações
de veemente repúdio nos Estados Unidos e no mundo? Todos devem se lembrar do
vídeo: o ex-segurança americano, de 46 anos, morreu asfixiado enquanto um
policial se manteve ajoelhado sobre seu pescoço.
Não é idêntica opressão até o desmaio da vítima? A única
diferença é que o menino Gabriel não foi filmado. Ninguém acreditou nele,
ninguém levou a sério que ele não estava mais conseguindo respirar. Ninguém.
Morreu sem saber por que estava apanhando tanto.
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