25/08/2022 - 18h17min
FABRÍCIO CARPINEJAR
Chinelo com meia é a nossa pilcha
urbana
Nada é mais gaudério do que o
chinelo com meia. O gaúcho se adapta em qualquer lugar. Tem gaúcho espalhado e
infiltrado por tudo o que é idioma e cultura. Tanto que há cerca de 4 mil
Centros de Tradições Gaúchas (CTGs) no mundo, até no Japão. Uma prova de sua
incrível flexibilidade é usar chinelo com meia. É o símbolo da nossa
resistência. Nada é mais gaudério do que o chinelo com meia. É a mais
improvável e extravagante combinação: o casamento do nosso sul europeu com o
País Tropical, do inverno com o verão, da serra com o litoral, da residência
com a rua.
No campo, no pampa aberto, as
alpargatas estalam no chão. Nos centros urbanos, o chinelo com meia completa a
pilcha. Tal como par romântico que ninguém apostava que poderia dar certo,
desfruta de longa convivência nos pagos com filhos, netos e bisnetos. No campo,
no pampa aberto, as alpargatas estalam no chão. Nos centros urbanos, o chinelo
com meia completa a pilcha.
Você está com frio, mas não
dispensa o calçado mais simples, mais básico, mais prático. Não está a fim da
solenidade de um tênis com cadarços para amarrar. Nem acha que é caso do
escândalo fofo da pantufa. Pretende ficar em casa, à vontade, com discrição e
liberdade para deslocamentos rápidos. E, numa casa-geladeira, sem estufa, busca
o reforço da lã. O ato é como abraçar os pés, não sufocá-los com a superfície
fechada. Você quer tapá-los no inverno, porém jamais se acovarda a ponto de
negar o chinelo. Junta, então, esses dois universos opostos.
O conjunto não é anatômico,
agride igualmente o conforto da meia e do chinelo. Nenhum dos dois sai
ganhando, talvez ambos percam e se anulem. O dedão para fora é a cabeça de uma
múmia enforcada pela tira. Lembra um estilingue pronto para arremessar os
butiás. De longe, parece que os pés foram engessados. Não é fácil no início, o passo fica
arrastado, esquisito, tenso. Exige costume e prática. É um malabarismo idêntico
a andar de salto 12.
O ideal é recorrer às meias mais
velhas e de elástico frouxo, com uma maior folga. É recomendável também começar
desde cedo, a partir dos três anos, para não sofrer com a adaptação na vida
adulta. O que não se esperava era que a dobradinha fizesse sucesso além das
fronteiras e terminasse como um indicativo de personalidade bem resolvida e
autenticidade no vestir. Antes considerada brega, atualmente é vista como
descolada. Foi tendência na quarentena e no home office, e ocupou as passarelas
de moda.
Representa a síntese plural do nosso apego pela família e da nossa disposição cascuda para enfrentar temperaturas adversas. O gaúcho sempre encontra um jeitinho para improvisar e fazer o que quer. E é tão orgulhoso de suas invenções que chega ao extremo de sair para o supermercado com chinelo e meia..
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