sábado, 13 de agosto de 2022


13 DE AGOSTO DE 2022
EMPREENDEDORISMO NO RS - Jhully Costa

EMPREENDEDORISMO NO RS

Malharia superou o que parecia o fim da linha

Empresa de Farroupilha sobreviveu a um incêndio e também soube reagir aos impactos da covid

Era madrugada de 10 de novembro de 2013, por volta das 3h. Lourdes Donida de Carli recém havia se deitado para dormir quando ouviu um barulho vindo do lado de fora da casa. Pensou que era o casal de filhos e o genro chegando da festa de casamento, de onde ela e o marido tinham saído antes. Mas os minutos passaram e ninguém entrou. Foi então que a empresária decidiu verificar o que estava acontecendo.

Ao sair para a sacada, viu que um incêndio consumia toda a estrutura do negócio ao qual dedicara os últimos 14 anos de vida. Poucas horas depois, a malharia Don Carli, sediada em Farroupilha, na serra gaúcha, havia sido destruída pelas chamas.

- O fogo já estava no telhado. Minha primeira ideia foi ligar para os bombeiros. Depois, peguei meu evangelho, que sempre ficava do lado da cama, abri, fiz uma pequena leitura e falei com Deus. Disse que queria que a minha casa e a minha família ficassem intactas e que o resto ficava nas mãos dele - relata a sócia-fundadora e diretora de desenvolvimento da malharia, hoje aos 60 anos.

Mesmo ao lado da empresa, a residência da família não foi atingida pelo fogo e ninguém ficou ferido. Mas o prejuízo foi imenso: todo o estoque de fios e malhas, as máquinas de costura e tecelagem, a loja e os pedidos que estavam prontos para entrega estavam queimados. O que não virou cinzas, foi inutilizado pela fumaça.

Para Lourdes, o momento mais triste foi o dia seguinte, quando todos os funcionários chegaram para trabalhar. Ela e o marido Aleri de Carli, hoje com 58 anos, precisaram demitir todos, mas prometeram recontratá-los assim que possível. E foi justamente por saber do impacto que a empresa tinha na vida dessas pessoas que a família logo deu um jeito de voltar ao trabalho.

No mesmo dia, a malharia já começou a ser reinstalada na parte debaixo da casa de Lourdes e Aleri, onde funcionava antes da construção da sede ao lado. Com equipamentos emprestados e a ajuda de amigos, retomaram a produção. Também voltaram a terceirizar o serviço de tecelagem e, aos poucos, a recontratar os funcionários.

- Quando fechou um ano do incêndio, a gente já estava com as máquinas no prédio novo. Sempre falo que, quando acontece uma coisa muito ruim assim, ou tu senta e chora ou tu levanta e começa de novo - prega Lourdes.

Uma reestruturação tecida com paciência e criatividade

Para comprar os equipamentos e construir uma nova sede, a família dependia do seguro - burocracia citada como uma das maiores dificuldades envolvendo o incêndio. Diante do atraso no pagamento e reembolso, eles recorreram a empréstimos e ficaram em uma situação financeira complicada. Atravessaram esse período com pequenos passos e conseguiram, em um ano, concluir uma parte da obra.

Lourdes comenta que a presença dos filhos, já adultos, foi muito importante nesse momento, pois as ideias modernas de Jéssica e Mateus de Carli foram somadas à experiência do casal.

- Com essa reconstrução, a gente pôde melhorar os probleminhas do prédio antigo, fazer melhor do que estava antes. A loja se manteve no mesmo lugar, mas foi organizada de forma diferente. A produção também foi pensada diferente, com a linha de produção, para funcionar melhor, e o estoque foi colocado mais perto da loja - afirma Jéssica, 31 anos, que é diretora administrativa e responsável pelo marketing da malharia.

Hoje, a empresa tem 45 funcionários e conta com uma estrutura de 2.550 metros quadrados, duas vezes maior do que a consumida pelo fogo. Desde o incêndio, leva em seu logo uma fênix - ave mitológica capaz de renascer das próprias cinzas.

Também é inteiramente administrada pela família: além de sócio-fundador, Aleri atua como diretor financeiro e o filho, Mateus de Carli, 28 anos, como diretor industrial e de produto. Já o marido de Jéssica, Airton Costa Junior, 32, trabalha nas áreas de relações públicas e comercial da empresa desde outubro de 2019.

Depois foi a pandemia que os obrigou a costurar soluções

A chegada da pandemia também impactou no funcionamento da malharia, já que a família não estava preparada, nem sabia como lidar com os clientes naquele cenário. Airton conta que, diante disso, começaram a estudar o mercado e ficaram atentos às mudanças no setor de vestuário - como a preferência por moletom nos períodos de distanciamento social. Também investiram na criação e comercialização de máscaras têxtis sem costura - desenvolvidas em colaboração com o designer e programador Shima-Seiki Kleiton Molardi Schiavenin.

De acordo com Airton, o produto foi vendido para o Brasil inteiro e, inclusive, para uma representante que revendeu na Finlândia. Somente no primeiro dia de anúncio das máscaras pelo site, foram mais de cem pedidos. Esse salto nas vendas ajudou a impulsionar ainda mais o trabalho da malharia, que se adaptou ao momento e, neste ano, passou por uma reforma e teve sua loja reinaugurada.

- Acabamos abrindo novos horizontes a partir da máscara. Algumas pessoas não compravam as malhas, mas vieram buscar as máscaras, conheceram a loja e os produtos, e começaram a comprar também. A máscara abriu um leque de oportunidades e a gente soube aproveitar - diz.

Para atender a demanda em torno das máscaras, a Don Carli foi na contramão de outras empresas gaúchas e contratou mais profissionais. Na visão de Mateus, tanto a pandemia quanto o incêndio serviram para mostrar que o maior valor de uma empresa não são as máquinas, mas o capital humano.

a série

Com o objetivo de apresentar histórias inspiradoras, a série Empreendedorismo no RS traz a sexta reportagem. Semanalmente, até 10 de setembro, contaremos trajetórias de empreendedores que transformaram uma ideia em realidade. Fundadores e sócios de 10 empresas de diferentes cidades compartilharão desafios superados e dicas para quem deseja abrir seu próprio negócio nos ramos de tecnologia no campo, saúde, moda, cuidados com o corpo e outros.

Próxima edição (20 e 21/8): Parque Stone Land, Pelotas

Fio a fio

A Don Carli foi fundada em fevereiro de 1999 por Lourdes e Aleri, mas a empresária já trabalhava com malhas muito antes disso. Natural de Santa Catarina, ela foi criada no interior de Farroupilha e aprendeu a mexer na máquina de costura da mãe quando ainda era criança. Como a família era grande - Lourdes tinha 11 irmãs e um irmão - as roupas eram feitas em casa. Na juventude, também fez curso de costura de calçados no Senac e trabalhou em empresas do município

Logo depois que casaram, compraram uma máquina de costura com as economias que tinham e ela começou a trabalhar em casa. Aleri ainda era funcionário dos Correios, mas a ideia do casal sempre foi abrir um negócio próprio, para que Lourdes também pudesse cuidar dos filhos. Mais adiante, eles adquiriram um equipamento para tecer e, com cautela, passaram a comprar fios e fornecer malhas para lojas

Com o avanço do negócio, decidiram abrir a empresa - nessa época, os filhos eram pequenos e a produção era no porão de casa. Já a mudança para o endereço atual, no bairro Vicentina, foi em 2000

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