sábado, 1 de outubro de 2016



01 de outubro de 2016 | N° 18649 
DAVID COIMBRA

O que é mais importante do que votar

Estava assistindo, ainda que de forma meio distraída, é verdade, aos capítulos derradeiros dessa novela das 9. O vilão é tomado por súbito ataque de bom-caratismo, arrepende-se, martiriza-se, até a peruca ele tira, e a professorinha humilde, mas com sensibilidade, coragem e consciência social, elege-se prefeita e salva a comunidade.

É mais ou menos essa a ideia que impregna os processos eleitorais brasileiros, como o que ocorre neste domingo. Se você vota “direito”, os “bons” são eleitos e praticam o “Bem” e o som dos violinos sobe e todos vivem felizes para sempre.

Segundo essa crença, o exercício da democracia ensina o povo a votar. Quanto mais eleições se sucedem, melhor a qualidade do voto.

Que bobagem. Pegue o país que tem maior experiência nessa área, os Estados Unidos. Existe a chance de Trump ser eleito presidente em novembro. Antes dele, não faz muito, Bush elegeu-se duas vezes.

Certo. Agora procure correlatos no Brasil. Trump é um falastrão muito parecido com Collor de Mello e Bush... Se você acha Bush ruim, lembre-se de que o Brasil elegeu Dilma DUAS VEZES.

Não. Não se “aprende” a votar. O voto é emocional, e a maioria das pessoas, em qualquer país do mundo, pouco se informa sobre os candidatos ou sobre a realidade política. A maioria das pessoas simplesmente “não liga”.

A diferença entre as democracias brasileira e americana não é a qualidade do voto.

Ontem mesmo, na rua, esbarrei, ou quase esbarrei, com uma ilustração viva da diferença entre as duas democracias. Eu caminhava depressa, estava apressado, porque tinha de pegar meu filho em algum lugar e havia me atrasado. Na minha frente, ia uma moça. Havia espaço na calçada para nós dois, eu só precisava fazer um desvio para ultrapassá-la e seguir em frente. Mas ela, meio que espiando por cima do ombro, percebeu que eu vinha rápido e queria passar. Então ela parou, saiu da frente, sorriu e disse:

– Sorry. Pediu desculpas.

Era eu quem tinha de correr, eu quem tinha de pedir licença, desculpa e ir embora. Ela, porém, lamentou por estar, de alguma forma, atrapalhando a minha vida e fez questão de dar lugar.

Isso vive acontecendo por aqui. No supermercado, se você entra com o carrinho em um corredor e alguém está obstruindo o caminho, agachado, escolhendo entre as latas de azeite de oliva, é bem provável que essa pessoa, ao perceber que você parou, levante-se de um pulo e quase implore:

– Sorry! Sorry! Isso significa que o americano é mais bondoso do que o brasileiro?

Não. Significa, exatamente, que a compreensão sobre democracia é outra. Porque democracia não é só ir à seção eleitoral, digitar o número do candidato na urna eletrônica e voltar para o churrasco que o seu cunhado está assando. A democracia, muito além do voto, é o entendimento de que todos têm compromissos com a vida em comunidade, responsabilidades e deveres.

E um dos deveres é o da civilidade. Já contei que o lema da escola do meu filho é “work hard, be kind and help others”, trabalhe duro, seja gentil e ajude os outros. É um resumo da democracia americana.

Quer dizer que todos os americanos são assim? Não.

Quer dizer que todos os americanos sabem que deveriam ser assim. Ou que é o que se espera deles.

É dessa comunidade composta por cidadãos que se guiam pela cultura de trabalhar duro, ser gentil e ajudar os outros que saem os políticos que pedirão voto um dia. E, assim, a política fica mais reta, mesmo que haja riscos de Bushs e Trumps.

Os americanos não são melhores do que os brasileiros. Os Estados Unidos não são melhores do que o Brasil. Em muitos aspectos, o Brasil é melhor do que os Estados Unidos. Mas a noção de democracia que existe nos Estados Unidos é muitíssimo superior à do Brasil.

Numa verdadeira democracia, o voto é importante, mas o respeito é fundamental.

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