quarta-feira, 1 de dezembro de 2010



01 de dezembro de 2010 | N° 16536
MARTHA MEDEIROS


Pacaio

Quando eu era menina, no colégio, havia uma brincadeira chamada “Pacaio”. Não lembro bem como funcionava na prática, só sei que a gente pensava no nome de seis guris que gostávamos (seis, que fartura!) e cada letra que formava a palavra Pacaio selava o nosso destino em relação a eles:

Paixão, Amor, Casamento, Amizade, Ilusão e Ódio. Minha cabeça dava um nó. Como era possível sentir paixão por Flávio e amor por Guto e ainda assim casar com Edu?

Estava a caminho de me tornar uma mulher esquizofrênica, mas o que mais me intrigava era outra coisa: o destinatário da minha ilusão. Era batata: o nome mais importante dos seis caía sempre na letra “i”. Nem amor, nem paixão, nem casamento. Ilusão. Era tudo o que ele me ofereceria na vida. E a profecia se cumpriu.

O menino de quem eu gostava no colégio foi uma ilusão. E tudo o mais que desejei na adolescência foi uma ilusão também. Até que um dia cresci e me desapeguei desse estado lisérgico que pouco me ajudava a ir em frente. Troquei sonhos por objetivos e decretei que só a realidade me serviria. Me tornei viciada em realidade.

Ok, as ilusões fazem parte da realidade, mas nunca mais deixei que elas me sustentassem.

É possível que esse pragmatismo tenha contribuído para eu não me entusiasmar tanto pelo novo trabalho de Woody Allen, cineasta que é outro vício meu. Claro que é um filme agradável e inteligente, como tudo que ele faz, mas saí do cinema já ansiosa para assistir ao próximo, e sorte minha que ele produz em escala industrial.

Você Vai Conhecer o Homem dos seus Sonhos é uma colagem de situações triviais protagonizadas por pessoas comuns que se amparam em suas ilusões e só recuperam o verdadeiro “eu” quando se confrontam com a realidade dos fatos. É um filme terno, delicado, sensível, mas não tem graça. A ilusão não tem graça mesmo. Paixão e amor, têm. Casamento pode ter também.

Ódio, nem se fala. Mas a ilusão, tanto no cinema como na vida, só ganha alguma relevância quando se alia ao sobrenatural (não por acaso, a única personagem do filme que se dá bem com sua ilusão busca reforço no espiritismo). Ilusão, por si só, nunca levou ninguém a lugar algum e raramente rende um bom final.

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