terça-feira, 2 de novembro de 2010



02 de novembro de 2010 | N° 16507
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Tão longe, tão perto

Eram um amigo e uma amiga, tão próximos quanto distantes. Haviam trabalhado uma vez num projeto que tinha certo parentesco com softwares, e como é impossível falar eternamente sobre softwares repartiram um verniz de segredos mútuos, e foi tudo.

Aí ambos tomaram seus rumos. Uma noite, na saída do teatro, trocaram palavras corteses. Ela estava belíssima e só. O papo foi-se alongando, pois chovia e os táxis eram raros. Havia perto um café e, num impulso, ele a convidou para um vinho. Discutiram a peça, dividiram capítulos recentes de suas biografias, recordaram conhecidos comuns. Na saída o homem disse:

“Sabe do que eu gostaria? Topar contigo mais seguido.”No dia seguinte recebeu um telefonema. Era ela:

“Me elogiaram muito esse filme do Guion. E se a gente fosse conferir?”

Não se limitaram a conferir. Escalaram num bar do shopping. Ele percebeu que os olhos dela estavam vermelhos.

“A história te comoveu tanto assim?”, perguntou. “Não, ando vivendo um período complicado.”

O homem a escutou atencioso, serviu-lhe uns palpites, que ela agradeceu observando:

“Sou mesmo uma boba sentimental.” Um mês depois, foi ele quem ligou:

“Ouvi comentarem que esse novo restaurante da Padre Chagas serve um risoto imperdível.”

“A balança vai brigar comigo”, riu ela.

O almoço se estendeu até três da tarde, mas a única briga de que trataram foi uma batalha que ele vinha travando com o seu chefe.

“Que fiz eu até hoje? Quem sou de verdade? Um executivo de certa competência. Onde foram parar meus sonhos?”

Ela tomou-lhe a mão, compreensiva e ternamente, deu-lhe uns conselhos que ele ouviu agradecido e volveram a separar-se.

Provavelmente teriam continuado amigos, próximos e distantes, um convocando o outro sempre que precisava de um ombro. Ora, ocorreu que o homem sofreu um acidente. Os médicos o consertaram, mas foi obrigado a amargar um mês sem poder abandonar o gesso.

Ela lhe surgiu com armas e bagagens e autonomeou-se sua enfermeira. Foram 30 dias em que se romperam as eclusas de confidências até então represadas. Já não eram crianças, e quando o declararam salvo ele falou:

“Por que você não fica?” Ela ficou. E já não mais distantes, senão que docemente próximos, perceberam que não há idade para o amor.

Reverencie aos que se foram. Lindo dia pra você.

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