sexta-feira, 7 de agosto de 2009



07 de agosto de 2009
N° 16055 - PAULO SANT’ANA | MOISÉS MENDES - INTERINO


A frase incômoda

Muita gente não gostou da frase do procurador Adriano Raldi. Na apresentação da ação de improbidade contra nove acusados, na quarta-feira, Raldi disse:

– Não haverá moleza para estes réus.

Queixam-se do tom de justiceiro. Já ouvi quem visse na frase a síntese das falas de mocinhos do cinema e dos gibis. Que a frase ficaria bem na boca de Dick Tracy. O debate é bom.

Uma ação grandiosa como essa muitas vezes só se sustenta com uma boa frase que a defina. Eram seis procuradores da força-tarefa do Ministério Público na coletiva à imprensa. Raldi produziu a frase do dia. Vamos imaginar que trouxe pronta de casa, ou que aquilo saiu na hora, no impulso.

Embates em que alguns se apresentam como o bem e outros são apresentados como o mal estimulam a produção de frases de efeito, que ganhem perenidade. Desde tempos bíblicos.

Mas as melhores frases desses confrontos nem sempre são do mocinho, na Bíblia, nas artes e na vida real. Nos gibis e nos filmes do Batman, por exemplo, as grandes falas são do Coringa. Não que ali o mal tenha maior capacidade de reflexão, mas de verbalização do que representa. O mal sempre se expressa bem.

O que se discute no caso do procurador é se uma autoridade do Ministério Público tem o direito de falar no mesmo tom do mal. Autoridades de instituições como o MP deveriam se expressar em latim.

Raldi expressou-se em português que todos poderiam entender. Também virou moda um debate provocado pelas investigações recentes de figuras antes intocáveis. É o que nos induz a pensar que toda manifestação dita subjetiva de um investigador, um promotor ou um juiz o desqualifica como autoridade e deprecia seu próprio trabalho.

Raldi não poderia ter sido tão categórico na definição de sua missão. Deveria apresentar o que apurou e evitar frases de impacto. Por esse raciocínio, não se dá moleza apenas para réus sem grife. Réus de outra categoria deveriam merecer linguagem mais refinada.

O juiz Fausto De Sanctis definiu o banqueiro Daniel Dantas, na sentença em que o condenou a 10 anos de prisão, como alguém de “personalidade desajustada”. Mas antes teve o cuidado de se socorrer de Nietzsche para chegar à caracterização do réu na sentença. Levou bordoadas. Dantas não merecia uma classificação tão pesada, porque não seria um delinquente comum.

Delegados, promotores, procuradores, juízes sempre se socorreram de Aristóteles, Kant, Santo Agostinho, Freud, Fernando Pessoa para sustentar seus argumentos. A escrita, em qualquer atividade, leva à sedução da citação que dá lastro e lustro ao texto.

A novidade, com a nova geração de promotores e juízes, é que o gosto pela palavra torna falas, relatórios, ações e sentenças compreensíveis a qualquer um. A linguagem independe da categoria do transgressor.

A sentença de Fausto De Sanctis diz: “Dantas acredita no dinheiro como algo determinante de suas ações ou omissões, bem como de todas as pessoas que passam por seu caminho. Parafraseando Nietzsche, tornou-se aquilo que verdadeiramente é’’.

Tem síntese, tem clareza e tem a firula com Nietzsche. Raldi poderia ter citado Dick Tracy ou o capitão Nascimento, sem desqualificar sua tarefa e sem comprometer as liturgias.

O espanto todo é provocado muito mais pelas figuras envolvidas do que pela linguagem do procurador. Raldi falou de um jeito que pudesse ser compreendido, em meio a um emaranhado de interpretações sobre os prováveis efeitos da ação contra tanta gente importante.

Pode ter traduzido a seu modo a sempre citada frase de Elliot Ness, quando o agente finalmente caça Al Capone: – Nunca pare de lutar até que a luta termine.

A fala é do filme Os intocáveis e talvez nunca tenha sido dita por Ness. Mas é boa e tem o mesmo sentido da frase do procurador. Não esperem moleza.

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