quarta-feira, 27 de outubro de 2021


27 DE OUTUBRO DE 2021
DAVID COIMBRA

Não foi bem assim que aconteceu

A perspectiva histórica é superestimada. Nós acreditamos que, analisando os fatos muito tempo depois da sua ocorrência, os veremos como realmente são. Bobagem. A distância até pode nos dar um pouco mais de isenção, mas também nos ilude, porque nos esquecemos do que sentíamos no momento em que tudo aconteceu.

Você suspira ao recordar os momentos livres e irresponsáveis da juventude, quando cometia desatinos hoje engraçados, mas se esquece como a insegurança o fazia infeliz na época. Você pensa numa mulher do passado e suspira de novo: "Ah, ela era maravilhosa..." Você jura que era a mulher da sua vida. Mas, se tivessem ido em frente e se casado, talvez agora você rosnasse: "Que chata!"

É assim: nem na sua própria vida você consegue ver as coisas claramente, mesmo em retrospectiva, imagine na História. Veja esses grupos de derrubadores de estátuas: eles julgam o passado com os valores do presente, um erro infantil e tosco.

Há também os que tentam interpretar o passado de acordo com seus interesses ou crenças. Movimentos negros gostariam que os antigos egípcios fossem negros. Não eram. Há uma fartura de pinturas e esculturas da época que representam o tom de pele dos egípcios do tempo dos faraós: eram morenos da cor do chocolate ao leite.

Ora, os movimentos negros não precisam das façanhas dos antigos egípcios. Dois dos maiores gênios políticos da Humanidade, Mandela e Luther King, eram negros, e eles conseguiram o que raríssimos conseguem: mudaram o mundo pela paz. Que europeu branquicela alcançou o que eles alcançaram?

Sem sair do antigo Egito: Cleópatra. Feministas insistem que ela era feia, sobretudo por causa de uma moeda com a efígie dela encontrada há alguns anos. A figura na moeda parece de fato uma bruxa, mas é bastante improvável que Cleópatra fosse feia. Não apenas porque conquistou dois dos maiores homens da sua época, Júlio César e Marco Antônio, mas porque se dedicava a cuidar da própria aparência com um desvelo que só as beldades têm.

Esse preconceito contra a beleza feminina é irritante por dois motivos. Em primeiro lugar porque desvaloriza a beleza como se fosse algo fútil, que não foi conquistado, mas ganho de presente. Isso não é verdade: só a plasticidade das feições não é o suficiente para tornar uma mulher atraente e interessante. É preciso existir um consórcio entre a beleza e a personalidade.

Em segundo lugar, esse preconceito é irritante porque supervaloriza a beleza, acreditando que só ela seria capaz de tornar uma mulher irresistível. Cleópatra, se fosse apenas bela, não seria lembrada 2 mil anos depois de sua morte.

Uma das mulheres mais lindas que conheci era também uma das mais chatas. Depois que você estabelecia um contato mais profundo com ela, não conseguia ouvi-la por mais de 15 minutos sem querer se atirar nas águas do Arroio Dilúvio. Um amigo meu, inclusive... Mas não posso contar isso sem a aprovação dele. Deixa para outro dia.

O que eu queria dizer é que a perspectiva histórica nem sempre nos dá uma ideia justa do tamanho das coisas. Mas às vezes dá. Vou fornecer um exemplo amanhã. Aguarde.

DAVID COIMBRA

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