26 DE OUTUBRO DE 2021
CARLOS GERBASE
Alguns bilhões?
O ator inglês Damian Lewis interpretou um especulador financeiro nova-iorquino ganancioso e sem escrúpulos chamado Bobby Axelrod em cinco temporadas de Billions. Ao que tudo indica, a série terá uma sexta temporada, mas sem Lewis. Ele diz que sentirá saudade dos antigos companheiros, que define como "alguns dos mais espertos, engraçados e talentosos profissionais de atuação e produção com quem já trabalhei". O que nos faz pensar: se Lewis estava gostando tanto de atuar na série, por que sair agora?
Há um detalhe importante: sua esposa, a atriz Helen McCrory, morreu de câncer em abril deste ano, e ele quer ficar mais tempo com os filhos. É uma razão e tanto. Mas há um outro fator. Lewis conta que, quando andava pelas ruas de Nova York, constantemente ouvia coisas como "Axe, você é o cara!". Como o personagem é, na sua opinião, "um ser humano realmente desprezível", Lewis concluiu que as pessoas não se importavam com as barbaridades executadas por Axe, torcendo por seu sucesso, mesmo que burlando a lei e pisoteando seus competidores.
O mal-estar moral de Lewis é compreensível. Algo parecido pode ter acontecido com John Hamm, ao interpretar o publicitário arrogante Don Drapper em Mad Men, e com Bryan Cranston, que viveu o fabricante de drogas Walter White em Breaking Bad. Vilões charmosos fazem parte da história do cinema e foram recebidos com pompa e circunstância nas melhores séries dramáticas de TV. Lewis é ator experiente e conhece esse processo. Então volto a perguntar: por que abandonar uma série de sucesso, em que vivia personagem complexo e desafiador?
Hipótese: há cada vez mais espectadores que confundem ficção com realidade, tomando ações de personagens imorais como incentivo para imoralidades reais do mundo real. Essa incapacidade de ver a arte como representação do mundo - com suas mazelas, suas injustiças e suas desigualdades - leva a dois caminhos igualmente perigosos. O primeiro é o que atingiu Lewis ao ouvir "Axe, você é o cara!". O segundo é a reação supostamente virtuosa a essa confusão, que, levada ao extremo, exigiria dos roteiristas de Billions a retirada de todo o charme pessoal de Axelrod, ou, pior ainda, a inclusão na história de uma exposição didática da sua vilania. Os roteiristas, ainda bem, não se renderam, pelo menos por enquanto. Lewis, contudo, não aguentou a pressão de alguns espectadores imbecis com quem cruzou na rua. O que nos leva a outra pergunta: são alguns poucos, ou alguns bilhões?
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