23 DE OUTUBRO DE 2021
FLÁVIO TAVARES
A GARGALHADA
A CPI do Senado sobre a pandemia transformou-se em magistral aula de Direito Criminal. Todos os crimes possíveis (até os inimagináveis) ali aparecem, perpetrados por diferentes órgãos e escalões do governo central ou por indivíduos ligados a ele. Foi como, se em medicina, todas as enfermidades (do simples resfriado ao câncer) se reunissem num mesmo enfermo, facilitando assim descobrir as inter-relações de causa e efeito.
Pela primeira vez na história do Brasil, um presidente da República acabou acusado por "crimes contra a humanidade" ou responsável direto por omissões e atos que levaram à morte milhares de cidadãos ou deixaram terríveis sequelas nos sobreviventes. Nos meus anos em Brasília, presenciei a marcha de diferentes comissões parlamentares de inquérito que, no entanto, se desenvolviam burocraticamente, mesmo investigando com seriedade, mas sem que revelassem a desfaçatez dos implicados.
Agora foi diferente. Bastava assistir aos depoimentos pela TV ou acompanhá-los pela imprensa para conhecer a dimensão dos crimes e seus autores diretos ou indiretos. Por exemplo, os depoimentos do insuspeito deputado bolsonarista Luís Miranda e do seu irmão, funcionário do Ministério da Saúde, mostraram que o presidente conhecia a bilionária corrupção armada para comprar a vacina indiana.
O relatório final da CPI sobre a covid-19 indicia 66 pessoas pela disseminação da pandemia, entre elas o presidente Bolsonaro e seus três filhos parlamentares. Este número amplo mostra como a ideia de negar o perigo se infiltrou no governo, a partir da prole presidencial. O alto número de indiciados tem, também, o lado mau de diluir entre muitas dezenas as culpas ou responsabilidades concentradas no alto escalão do governo.
Bolsonaro diz que as conclusões do relatório "propagam o ódio", mas não questionou qualquer fato apontado. Nada, porém, supera o cinismo da gargalhada do senador Flávio Bolsonaro na TV, ao imitar o que faria o pai, Jair, quando lesse o relatório da CPI. Ou a gargalhada não ecoou como deboche aos mortos e sequelados?
A gargalhada reproduzida na TV era o oposto do sorriso terno que conforta e acalma. Tinha tom forçado de falsa ironia, num momento em que a morte, a doença e o horror exigem ser enfrentados com seriedade.
Resta agora esperar que as conclusões da CPI se transformem em algo concreto e objetivo, punindo a quem deva ser punido. Só assim, gargalhar no Palácio do Planalto não será trágico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário