sábado, 16 de outubro de 2021


16 DE OUTUBRO DE 2021
MARCELO RECH

A ditadura da insegurança 

Nem o desemprego, nem a corrupção. Nada definiu para pior o Brasil nas últimas décadas do que a criminalidade, que enluta famílias, transforma cidades, destrói negócios e sonhos, afugenta investimentos e mantém a todos em sobressalto constante. Como mostrou uma reportagem de Jeniffer Gularte há dois fins de semana em ZH, a vida em comunidades onde não se registram homicídios há mais de 20 anos tem outro sabor, ainda que em nenhum momento os moradores possam relaxar diante dos riscos que vêm de fora.

No Brasil, estamos tão habituados à ditadura da insegurança, que a normalidade virou notícia. Já aqui na Holanda, onde passo uma temporada, mulheres passeiam sozinhas em parques desertos, caminha-se tranquilamente de madrugada por ruas sem vivalma e para-se de carro nas sinaleiras à noite sem precisar vigiar ao redor. Não se veem nem se exigem policiais a cada esquina, crianças pequenas revoam em suas bicicletas quando as aulas terminam, as escolas não se escondem atrás de muros impenetráveis, vive-se em casas sem cerca elétrica ou grades - e não, não se imagina sequer o absurdo de ser assaltado e morto em uma parada de ônibus à noite ao se sair do trabalho.

A violência não foi eliminada da sociedade holandesa, mas não dita os programas, o lugar e o jeito de morar, trabalhar e se movimentar. Em Haia, uma cidade do tamanho de Caxias do Sul, ocorreram sete assassinatos em todo o ano de 2020, a maioria por desentendimentos em família. Nos últimos sete anos, 21 presídios holandeses foram fechados ou transformados em asilos, em parte graças a uma meticulosa política de substituição de penas por tratamento psicológico. O Judiciário trabalha menos também - em 10 anos, o número de sentenças anuais caiu de 42 mil para 31 mil.

Poderia atribuir-se a insegurança no Brasil ao abismo social ou à miséria, mas a tese é injusta com alguns dos países mais pobres e díspares do mundo na África e Ásia, que têm níveis de crimes quase europeus. Também poderia se supor que a baixa criminalidade na Holanda se deve à descriminalização da maconha, mas não é bem assim. A maconha, de fato, é fumada livremente em determinados cafés, mas é nas suas vizinhanças que se registram muitos dos escassos crimes no país. Além disso, a posse ou o transporte de mais de cinco gramas são proibidos e, mais recentemente, máfias de traficantes chocaram o país com o assassinato do jornalista investigativo Peter de Vries.

No fim, a contenção da criminalidade é um pouco de tudo - de leis adequadas à sensação de que o crime não compensará. Mas nada substitui a educação - em família e nas escolas - e a formação de cidadãos para servirem à sociedade, não para empunharem uma arma. É nisso que a Holanda e grande parte do mundo acertam. E é nisso que o Brasil está falhando miseravelmente.

MARCELO RECH

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