16 DE OUTUBRO DE 2021
DAVID COIMBRA
Cem anos de idade
Dona Adiles Steinert tem cem anos de idade e diz que é minha fã. Ela falou isso para o pessoal do Atendimento ao Leitor, de Zero Hora, dias atrás, e eles me contaram. Fiquei radiante. Mas não é a primeira senhora centenária que gosta de ler minhas crônicas, sério. Tenho prestígio com as avós e as bisavós.
Um dia, estava em algum bar e vi aquela deusa me olhando e sorrindo. Era uma morena lindíssima, de pernas longas e lábios de Angelina Jolie. Fiquei boquiaberto. Pensei: será que ela está olhando para mim mesmo? Estava. E mais: veio de lá na minha direção, e veio ondulando feito a serpente do Paraíso, e veio com um sorriso no rosto de querubim, e veio, e veio, e parou na minha frente. Falou, com voz de amêndoas e mel:
- David... Suspirei. Então ela acrescentou: - A minha avó te a-do-ra!
É sempre assim. Cenas parecidas já se repetiram muitas vezes. Tudo bem, sinto o maior orgulho de ser admirado pela terceira idade. Até porque se trata de admiração mútua. Conheci mulheres singulares com cem anos de idade. A avó da Marcinha, por exemplo, morreu seis meses depois de completar o centenário. Dona Aurinha, seu nome. O Bernardo a chamava de "Bibi". Era doce e inteligente. Gostava de conversar com ela. Um dia, algum tempo depois do seu centésimo aniversário, nós estávamos almoçando juntos e ela olhou para mim e perguntou:
- Sabe o que que eu tenho?
Ergui uma sobrancelha: - O que que a senhora tem, Bibi? E ela, com um meio sorriso divertido: - Cem anos!
Enquanto morei nos Estados Unidos, meu sonho era promover um encontro entre a Bibi e a dona Ethel. A dona Ethel era uma senhora polonesa de 103 anos de idade. Em 1939, ela e o marido fugiram da Segunda Guerra e se instalaram em Brookline, onde abriram um armarinho ao lado da escola Devotion, onde John Kennedy e o meu filho estudaram. Depois de algumas décadas, o marido morreu e ela continuou cuidando da loja. Eu ia até lá, comprava um carrinho para o Bernardo e ficava conversando com ela. Ela colara um cartaz na parede da lojinha: "Eu amo os meus clientes". E amava mesmo. Estava sempre sorrindo, era sempre atenciosa. Numa das férias do Bernardo, nós viemos ao Brasil e voltamos depois de um mês. No primeiro dia de aula, deixei o Bernardo na escola e caminhei até a lojinha. Estava fechada. Um cartaz na porta informava que dona Ethel morrera antes de completar 104 gloriosos anos.
Fiquei chateado porque não a veria mais. Mas compreendi que ela vivera uma vida longa e boa. Gostava do que fazia, gostava do lugar onde morava, era uma pessoa feliz. Com dona Ethel, assim como com a Bibi, o ciclo da existência se completou. Porque o natural seria acontecer o mesmo com todos os seres vivos: eles nascem, crescem, amadurecem, envelhecem e morrem. A morte, portanto, é só mais uma etapa do ciclo, e não uma tragédia. Aprecio esse pensamento, porque, ao diminuir o peso da morte, alivia o da vida. Por isso, sinto vaidade das minhas leitoras que são avós e bisavós. Mas gostaria de sentir vaidade pelas netas também.
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