sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Jaime Cimenti

Veraneio no Litoral Norte

Entra veraneio, sai veraneio, escrevo uma crônica mais ou menos como a que estou escrevendo agora. Mesmo com engarrafamentos amazônicos, problemas de fornecimento de água e luz e outros de infraestrutura, mesmo com problemas de criminalidade, abastecimento etc., os gaúchos seguem para o litoral em busca de um ar fresco, dos amigos , de descanso e lazer.

A queixa de que as prefeituras cobram IPTU e não fazem muito pelos veranistas continua. Os proprietários de imóveis em condomínios horizontais, especialmente, pagam IPTU alto e resolvem praticamente tudo, com seus recursos. Os ambientalistas e a legislação seguem rígidos talvez demais e não se pode plantar nada na orla, quando, no Rio de Janeiro, por exemplo, o poder público investe em recuperação de flora marinha.

As prefeituras poderiam construir deques de madeira nas avenidas beira-mar. Não custa muito caro e todos aproveitariam. Enfim, veranistas e moradores do litoral deveriam, a meu ver, conversar mais entre si e buscar soluções e melhorias. Seria bom para todos. Boa parte dos veranistas passa só os oito ou nove fins de semana na praia.

Uma parte fica durante a semana. As férias escolares por vezes terminam antes de fevereiro acabar e aí o veraneio fica reduzido. Por que não férias nas duas primeiras semanas de março, melhor mês? Todos aproveitariam mais as casas, apartamentos, colônias de férias, hotéis e pousadas. Pessoas de baixa renda teriam mais acesso. Acho que todos nós estamos nos contentando com pouco e que as coisas poderiam ser bem diferentes, para o benefício dos moradores e veranistas.

Nem vou falar de preços, condições higiênicas, até na beira da praia e outros detalhes. Eu sei, eu sei, o quente da praia é a turma, o contato com a família e os amigos, churrasquinho, camarãozinho, chopinho, ótimo isso tudo, estou dentro, mas, mesmo repetitivo, escrevo sobre o tema, por que tenho esperança de que o samba não morra e que a gente consiga dar um upgrade no veraneio. Acho que precisávamos também criar opções para aproveitar o litoral durante o resto do ano. Sei que é difícil, que é cultural e que no inverno ninguém está a fim do vento e do frio.

Pois é, vamos nos reunir, conversar, ver alternativas. Férias escolares mais longas no verão, maior diálogo entre veranistas e moradores, prefeituras mais atentas com os veranistas, deques na beira, mais vegetação e árvores na orla, melhor infraestrutura, esgoto, luz etc. Acho que é possível. Você pode dizer que sou um sonhador. Tomara que eu não seja o único.


Cartas para a redação.

31 de janeiro de 2014 | N° 17690
SHOW

Menina de ouro

Aos 17 anos, a neozeolandeza Lorde surpreende e marca sua entrada no mainstream ao vencer alguns dos principais prêmios do Grammy

A cerimônia do Grammy, no último domingo, teve tudo o que todo mundo esperava: Daft Punk levando os principais prêmios, Beyoncé rebolando, Paul e Ringo levando a audiência às lágrimas e Taylor Swift pagando mico. E teve também Lorde, cantora algo esquisitona que nem bem alcançou a maioridade civil e debutou no mainstream musical por uma de suas portas mais reluzentes.

A consagração não veio facilmente. No domingo, Lorde, 17 anos e um único disco lançado, lutou contra gigantes estabelecidos da música pop, como Katy Perry, Bruno Mars e Justin Timberlake. Mas, graças ao estupendo single Royals, faturou dois dos quatro gramofones dourados a que concorria: canção do ano e melhor performance solo pop. E ainda se apresentou, tocando ao vivo seu grande hit em versão econômica, com maquiagem carregada e dedos como que mergulhados num tinteiro.

Seu sucesso na cerimônia acabou repercutindo nas redes sociais. No Facebook, a performance da cantora só foi menos comentada do que o casamento comunitário abençoado por Madonna. No Twitter, o show da adolescente ficou em segundo lugar entre os mais tuitados, mas as menções ao seu nome a colocaram em primeiro lugar, à frente da poderosa Beyoncé e da queridinha Taylor Swift. De repente, o mundo inteiro soube quem era Lorde, nascida Ella Maria Lani Yelich-O’Connor no subúrbio da populosa Auckland, norte da Nova Zelândia.

Os gramofones dourados coroam uma ascensão veloz na indústria musical e no imaginário pop. Embora compondo e gravando desde os 12 anos, foi com o lançamento do EP The Love Club, em março do ano passado, que o buzz em torno de Lorde começou a tomar corpo – justamente por conta de Royals, uma das faixas do disquinho.

O estopim foi a inclusão da faixa na playlist que Sean Parker, fundador do Napster e figura conhecida do meio pop, mantém no Spotify e soma quase 1 milhão de seguidores. Resultado: em um mês, Royals era a música mais ouvida no serviço de streaming e estreava no topo da lista de mais vendidas da Billboard.

O barulho obrigou Lorde a apressar o lançamento de seu disco de estreia, composto em parceria com o produtor neozelandês Joel Little. Disponibilizado em setembro, Pure Heroine trouxe mais do synth pop que encantara o mundo. Relançado como single, Royals entrou também em primeiro lugar no Reino Unido e ganhou sobrevida nos EUA, fechando 2013 como um dos três singles mais vendidos da Amazon e colocando o disco nas listas de melhores do ano de quase todo o mundo. No Brasil, Royals é a canção mais baixada desta semana no iTunes.

Ainda na finaleira do ano, a adolescente fechou um acordo de US$ 2,5 milhões com a empresa de representação artística Songs Music Publishing, foi capa da Rolling Stone, regravou Everybody Wants to Rule the World (do Tears for Fears) para o filme Jogos Vorazes – Em Chamas e ganhou elogios de Elton John (“Lorde aponta a direção para onde Lady Gaga deveria seguir”).

Mas a maior pista quem deu foi David Bowie, com quem Lorde se encontrou no começo deste ano. Segundo ela, o Camaleão disse que, quando ouvia sua música, ouvia o futuro. Um futuro que, ao menos para Lorde, já chegou.


gustavo.brigatti@zerohora.com.br

31 de janeiro de 2014 | N° 17690
SHOW

Menina de ouro

Aos 17 anos, a neozeolandeza Lorde surpreende e marca sua entrada no mainstream ao vencer alguns dos principais prêmios do Grammy

A cerimônia do Grammy, no último domingo, teve tudo o que todo mundo esperava: Daft Punk levando os principais prêmios, Beyoncé rebolando, Paul e Ringo levando a audiência às lágrimas e Taylor Swift pagando mico. E teve também Lorde, cantora algo esquisitona que nem bem alcançou a maioridade civil e debutou no mainstream musical por uma de suas portas mais reluzentes.

A consagração não veio facilmente. No domingo, Lorde, 17 anos e um único disco lançado, lutou contra gigantes estabelecidos da música pop, como Katy Perry, Bruno Mars e Justin Timberlake. Mas, graças ao estupendo single Royals, faturou dois dos quatro gramofones dourados a que concorria: canção do ano e melhor performance solo pop. E ainda se apresentou, tocando ao vivo seu grande hit em versão econômica, com maquiagem carregada e dedos como que mergulhados num tinteiro.

Seu sucesso na cerimônia acabou repercutindo nas redes sociais. No Facebook, a performance da cantora só foi menos comentada do que o casamento comunitário abençoado por Madonna. No Twitter, o show da adolescente ficou em segundo lugar entre os mais tuitados, mas as menções ao seu nome a colocaram em primeiro lugar, à frente da poderosa Beyoncé e da queridinha Taylor Swift. De repente, o mundo inteiro soube quem era Lorde, nascida Ella Maria Lani Yelich-O’Connor no subúrbio da populosa Auckland, norte da Nova Zelândia.

Os gramofones dourados coroam uma ascensão veloz na indústria musical e no imaginário pop. Embora compondo e gravando desde os 12 anos, foi com o lançamento do EP The Love Club, em março do ano passado, que o buzz em torno de Lorde começou a tomar corpo – justamente por conta de Royals, uma das faixas do disquinho.

O estopim foi a inclusão da faixa na playlist que Sean Parker, fundador do Napster e figura conhecida do meio pop, mantém no Spotify e soma quase 1 milhão de seguidores. Resultado: em um mês, Royals era a música mais ouvida no serviço de streaming e estreava no topo da lista de mais vendidas da Billboard.

O barulho obrigou Lorde a apressar o lançamento de seu disco de estreia, composto em parceria com o produtor neozelandês Joel Little. Disponibilizado em setembro, Pure Heroine trouxe mais do synth pop que encantara o mundo. Relançado como single, Royals entrou também em primeiro lugar no Reino Unido e ganhou sobrevida nos EUA, fechando 2013 como um dos três singles mais vendidos da Amazon e colocando o disco nas listas de melhores do ano de quase todo o mundo. No Brasil, Royals é a canção mais baixada desta semana no iTunes.

Ainda na finaleira do ano, a adolescente fechou um acordo de US$ 2,5 milhões com a empresa de representação artística Songs Music Publishing, foi capa da Rolling Stone, regravou Everybody Wants to Rule the World (do Tears for Fears) para o filme Jogos Vorazes – Em Chamas e ganhou elogios de Elton John (“Lorde aponta a direção para onde Lady Gaga deveria seguir”).

Mas a maior pista quem deu foi David Bowie, com quem Lorde se encontrou no começo deste ano. Segundo ela, o Camaleão disse que, quando ouvia sua música, ouvia o futuro. Um futuro que, ao menos para Lorde, já chegou.


gustavo.brigatti@zerohora.com.br

31 de janeiro de 2014 | N° 17690
ESTREIAS

Livre para o amor

E continua a série de filmes calcados em grandes performances femininas. Depois de um 2013 cheio, com Blue Jasmine, A Visitante Francesa, Hannah Arendt e Camille Claudel, 1915, entre outros, e de uma entrada em 2014 com Meryl Streep brilhando em Álbum de Família, chega hoje ao circuito o drama chileno que rendeu o prêmio de melhor atriz do Festival de Berlim a Paulina García.

Ela é a personagem-título de Gloria, uma mulher divorciada de 58 anos bem resolvida e de “espírito livre”, para usar um clichê cinematográfico que indica que um dos temas em questão é a liberdade. Primeiro a vemos frequentando bailes e conhecendo pretendentes, num clima que lembra o do longa brasileiro Chega de Saudade (2007).

Logo ela se engata com Rodolfo (Sergio Hernández). Mas nem dá tempo de o espectador pensar que o filme vai seguir o caminho da comédia argentina Elsa & Fred (2005): a leveza de Gloria contrasta com a vida problemática do novo parceiro, o que conduz a narrativa a um registro típico dos dramas românticos com personagens em processo de amadurecimento.

Aqui, no entanto – e esta é uma subversão do diretor Sebastián Lelio –, os protagonistas já deveriam ser maduros. E não é bem assim, como você vai ver. O sexo é mostrado sem pudores, como em Late Bloomers (2011), no qual Julie Gavras dirige William Hurt e Isabella Rossellini no filme recente sobre o amor na meia-idade que mais se assemelha a Gloria.

Só que o longa chileno é todo de Paulina García. É como se Rodolfo, com sua instabilidade e suas reações inesperadas, servisse tão somente como estímulo para as reações de Gloria. E não há como acompanhá-las sem se admirar com o talento da atriz que a interpreta, especialmente em sua capacidade de condensar expressões de decepção e esperança, desilusão e vontade de viver. Não é fácil encontrar o amor à porta dos 60 anos, mas Gloria tenta. Vai levar desta vida a vida que levou, como ensinava Barão de Itararé – o que dá uma ideia do quão estimulante é a sua jornada.


daniel.feix@zerohora.com.br

31 de janeiro de 2014 | N° 17690
PAULO SANT’ANA

Brasil analfabeto

Sei que sou friorento porque, por exemplo, vejo as pessoas circularem aqui na Redação de Zero Hora, onde há forte ar condicionado frio, com camisas regatas, blusas cavadas e camisas de mangas curtas, enquanto eu sou obrigado a colocar um colete de lã ou uma blusa da manga comprida para resistir ao ar condicionado.

Por outro lado, não sou calorento, resisto bem à temperatura alta, como a que está fazendo atualmente em Porto Alegre, com o Jornal Nacional noticiando anteontem que na capital gaúcha a temperatura ambiente era de cerca de 50°C.

É natural que pessoas haja que resistam mais ao frio ou ao calor do que outras.

Eu tenho a impressão de que sofreria muito se fosse europeu ou canadense no inverno, a ideia de neve que faço é poética, mas não é confortável.

Particularmente, fiquei envergonhado ao ser publicado anteontem o ranking dos países que contam com mais adultos analfabetos.

O Brasil ocupa o oitavo lugar entre os de mais analfabetos adultos, atrás apenas de Índia, China, Paquistão, Bangladesh, Nigéria, Etiópia e Egito.

A única desculpa que temos é de que estes países, quase todos, contam com grandes populações.

Mas é uma desculpa esfarrapada.

Segundo a Unesco, temos 10 milhões de brasileiros adultos analfabetos. É uma cifra vergonhosa.

Esse dado demonstra cabalmente que a educação no Brasil se tornou um tremendo e gigantesco fracasso.

E isso prova que nossa economia, que apresenta até um índice de desenvolvimento meio que incompatível com esse analfabetismo, seria muito mais pujante no concerto das nações se eliminássemos esse analfabetismo massivo.

Tanto que na relação que publiquei acima, dos outros sete países que nos acompanham nesse desastroso ranking, somente a China se poderia considerar que não é um país pobre, ainda que se possa considerá-la uma potência econômica com profundas desigualdades sociais.

Os outros seis companheiros que beiram conosco são paupérrimos, o que quer dizer que podemos arriscar em dizer que analfabetismo é sinônimo de pobreza.

Quem fez a festa com a greve nos ônibus em Porto Alegre foram os taxistas. A espera para vinda de um táxi chamado pelo telefone foi em média de duas horas. E não havia nenhum táxi vazio circulando por todas as partes da cidade em que se andasse.

Os lotações também se locupletaram. Em todas as paradas, não podiam arrecadar passageiros por estarem sempre lotados, isto que se permitiu excepcionalmente que levassem pessoas em pé.


Tragédia para os passageiros de ônibus, paraíso para os taxistas e lotações.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014


30 de janeiro de 2014 | N° 17689
EDITORIAIS

PARALISAÇÃO ABSURDA

Os porto-alegrenses ficaram ontem sem um serviço considerado essencial pela legislação, num evidente abuso do direito de greve assegurado pela Constituição. Ao impedir que a totalidade da frota de ônibus da Capital saísse às ruas, as lideranças do Sindicato dos Rodoviários, respaldadas pela categoria, incorreram em infração à lei e em desobediência judicial, uma vez que o Tribunal Regional do Trabalho havia determinado que 70% dos veículos circulassem nos horários de maior demanda.

Essa atitude de confrontação, somada à omissão dos empresários do transporte e à leniência das autoridades, deixou a população desassistida e refém de uma situação verdadeiramente angustiante. Milhares de pessoas não puderam se deslocar para o trabalho e para outros compromissos, muitos tiveram que pagar tarifas mais elevadas para andar de lotação ou táxi, e a economia contabilizou prejuízos variados.

Todos perderam com o impasse. Até mesmo os trabalhadores rodoviários, que aparentemente alcançaram o objetivo de não deixar os ônibus circularem. Eles perderam, principalmente, o apoio da população para a sua causa e agora vão para a negociação com a imagem de descumpridores de acordo, como estão sendo considerados pelo tribunal mediador.

A greve é um instrumento legítimo dos trabalhadores para ser utilizado na busca de melhores salários e de condições dignas para o exercício de qualquer profissão.

Mas o serviço de transporte público, como o de fornecimento de água, energia elétrica, assistência à saúde e outros mais, constitui um direito essencial da coletividade – portanto, um direito maior do que as prerrogativas de uma categoria profissional. Não pode ser negado totalmente, como foi ontem e como tende a ser hoje novamente, antes da nova rodada de negociações.

A paralisação absurda e insensata tem ainda um outro componente que precisa ser debatido pela sociedade. Os proprietários de empresas de ônibus e o próprio prefeito de Porto Alegre, que em última análise é o responsável pela Carris, alegam que não tiraram os ônibus das garagens por medo de depredação – o que, efetivamente, aconteceu com alguns veículos na noite de terça-feira. Trata-se de outra rendição inaceitável. Jogar pedra em ônibus, além de covardia, é um crime. E crimes precisam ser coibidos pelas forças de segurança. Não há como transigir em relação a isso.

Sem a restauração da lei e da ordem, fica difícil defender o diálogo, a livre manifestação e o respeito às reivindicações dos trabalhadores, que são os caminhos adequados numa democracia. Como dispensar consideração a quem desconsidera o sofrimento e as necessidades dos usuários do serviço de transportes?



30 de janeiro de 2014 | N° 17689
LANÇAMENTO

Com recorde, Corolla é o mais vendido do mundo

A cada mês, federações e consultorias divulgam seus rankings com quem e o que está no topo do sucesso. No mercado global, o papel é desempenhado pela consultoria Focus2Move, apontando que o carro mais vendido do planeta em 2013 foi o Corolla, da Toyota, com total de 1.080.299 unidades. Segundo a empresa, o alcance da marca, que corresponde a 1,6% em participações no mercado, alçou o sedã médio a maior recordista anual de vendas de todos os tempos.

Chegando logo em seguida, na segunda posição, aparece o Ford Focus, com 993.382 unidades comercializadas. Na terceira, está a picape Ford F-Series, com total de 808.319 unidades. Ao contrário da liderança no Brasil, onde chega na frente há 27 anos, o Volkswagen Gol não integra o top 10 mundial, ocupando a 38ª posição do ranking.


Divulgado em janeiro, o resultado consolidado compreende os balanços computados – entre os meses de janeiro e novembro de 2013 – por mais de 100 marcas que atuam em 90 mercados diferentes. O número de modelos registrados no relatório ultrapassa 1,5 mil.

30 de janeiro de 2014 | N° 17689
PEDRO GONZAGA

Saúde

Não poucas vezes, quando os alunos me perguntam o que caracteriza a crônica como gênero, respondo que é sua ligação evidente com o tempo, que está em seu próprio nome, mas com um tipo especial de tempo, não com aquele tempo de caráter mais profundo e filosófico (tema das grandes obras artísticas, está aí A Grande Beleza ainda em cartaz), mas com o tempo em seu caráter mundano, diário, jornalístico. Daí porque – excetuadas as crônicas voltadas para o passado, tantas vezes úmidas de melancólica nostalgia – o tom é sempre coloquial, de bar (crônica leve ou de humor), ou de café (crônica investigativa ou de tese).

Concordo, é uma definição bastante esquálida, mas estamos conversando, acabamos de sair do cinema e fomos tomar um chope para escapar à noite sem vento em Porto Alegre. Pensando bem, eu diria que faltou uma categoria acima, perigosa mistura das duas anteriores, tão em voga hoje em dia: a crônica “tese de botequim”, perigosa justamente pela seriedade de que se reveste o cronista para tratar de um assunto cujo domínio muitas vezes lhe escapa.

Vejamos. Pegássemos agora o que foi dito afoitamente sobre as manifestações do ano passado e já veríamos o quão tolas (e por que não equivocadas) podem ser as conclusões definitivas. O mesmo valeria agora para o rolezinho, não lhes parece? Quantas certezas, quantas frases lapidares, quantas candidaturas a porta-voz das ruas.

A meu ver, quase tudo botequinaço, encoberto pelo tom professoral de supostos entendidos, que não conversam, mas discursam; que não debatem, mas monopolizam. Esse erro de registro, o tempo logo se encarrega de denunciar. Essa arrogância já agora visível na elocução das crônicas amanhã estará obsoleta. Enquanto isso, continuaremos conversando levemente, sem cara feia para quem interromper a seriedade de um assunto para discutir se o colarinho deve ter um ou dois dedos de espessura. A democracia, se de fato é possível experimentá-la, existe em torno de uma grande mesa, cercada de amigos.


A eternidade seria um lugar tolerável somente em torno dessas mesas animadas. Livres associações, divergências, argumentos passionais, pilhérias, xingamentos, amor. Porque o resto é a burocracia do cotidiano, a malfadada missão civil e a alienação de que seremos acusados. Saúde.

30 de janeiro de 2014 | N° 17689
PAULO SANT’ANA

O desacato sindical

Amigo, que bom que tu existes. Chega para mim ser providencial que tu existas.

É comovente, amigo, a forma cordial com que vens em meu socorro nestas horas em que não sei o que seria de mim se tu não existisses.

Às vezes, desconfio que Deus põe diante de nós obstáculos terríveis sabendo que alguém acabará por nos ajudar, é o teu caso comigo.

Amigo, tem o mais sublime ainda: vejo em ti a tua alegria quando me ajudas, ou seja, são dois os beneficiados, eu pelo teu amparo e tu pelo contentamento de que és invadido quando mais uma vez me estendes a mão.

Nenhum pai, nenhum irmão, ninguém, me acode ou me acudiu como tens me acudido.

Amigo.

Estávamos ontem na seguinte situação: a Justiça do Trabalho havia ordenado aos sacripantas sindicatos que detonaram essa greve infame que providenciassem imediatamente para acudir a população com 70% da frota de ônibus nos horários de pico, em vez dos 30% que a lei já ordena.

Primeiro, os sindicatos mentiram: disseram que não podiam mobilizar seus trabalhadores para atender com os 70% da frota ontem, assim de repente. Mais tarde, mostraram as suas unhas: declararam que, além de ontem, é para sempre que não vão atender os 70% ordenados pela Justiça e fizeram mais um desaforo: retiraram também de circulação os 30% da frota que a lei determina, com o que ficou em zero a frota. Nenhum ônibus circula desde ontem na cidade.

Isso é zombar da lei e tripudiar da Justiça.

O que fazer agora? Não sei o que a Justiça vai fazer desse desplante.

Eu sei o que eu faria, se fosse a Justiça: mandaria prender imediatamente os poltrões que dirigem os dois sindicatos que administram essa greve. Prendê-los é solução. Para que parem de fazer de Porto Alegre uma terra de ninguém, onde meia dúzia de irresponsáveis deixa no Lami, como eu vi ontem, uma senhora esperando oito horas por um ônibus que afinal lá nunca passou.

Aceita-se greve, aceitamos os direitos trabalhistas. O que não aceitamos é esse desacato ecoante e concreto que esses dois famigerados sindicatos cometeram contra a Justiça do Trabalho.

Tem de prender os dirigentes desses dois sindicatos de fancaria, um deles nem sede física possui, e por isso sabe que nunca pagará qualquer multa legal.

Nunca vi disso: a Justiça ser desobedecida à luz do dia. Mas então não há ordem neste país.

Se deixarem para lá essa desobediência declarada e desaforada, nunca mais ninguém vai obedecer à lei ou à Justiça.

Isso é que é queda de pulso: se esses desordeiros ficarem impunes, não prevalecerá mais em nosso meio a lei e a Justiça.

Contra a força da desordem, só pode ter de valer a força da lei e da Justiça!

Essa senhora do Lami com quem falei ontem, junto com milhares de outros porto-alegrenses, não tinha R$ 60 para pagar por um táxi e era urgente a sua locomoção.


Em nenhuma parte do mundo, já ocorreu ou ocorrerá uma greve tão desumana como esta de que Porto Alegre está sendo vítima.

30 de janeiro de 2014 | N° 17689
L.F. VERISSIMO

A primeirona

O poeta inglês Rupert Brooke morreu durante a I Guerra Mundial. Era moço, bonito e um poeta passável. Morreu em 1915, um ano depois do começo da guerra. Num dos seus poemas, intitulado O Soldado, ele tinha escrito: “Se eu morrer, pense apenas isto de mim: que há uma cova num campo estrangeiro que será, para sempre, a Inglaterra”.

Brooke ficou como uma espécie de símbolo da juventude inglesa dizimada pela guerra de 14, toda uma geração, incluindo os seus poetas, que não voltou das trincheiras. A única coisa errada nesta história convenientemente romântica é que Brooke morreu durante a I Guerra, mas não na I Guerra. Foi vítima de uma infecção causada por uma picada de mosquito, sem nunca ter estado numa trincheira.

Se Rupert Brooke não serve como herói romântico e representante de uma geração destruída, serve como símbolo de todos os enganos que levaram à carnificina da chamada Grande Guerra, quando milhões morreram sem saber bem por quê.

Visto em retrospecto, o mais impressionante na I Guerra, cujo centenário se comemora neste ano, é o volume de mal-entendidos, mesquinhez e simples burrice que tornou inevitável um conflito, no fim, por nada. Alguns impérios agonizantes ruíram, algumas fronteiras foram redesenhadas, alguns orgulhos nacionais foram servidos – nada que valesse a vida de um só poeta. A Primeirona funcionou como campo de prova de novas tecnologias de guerra (o avião, o tanque, a metralhadora, o gás venenoso) e deixou tantas questões políticas pendentes, que tornou inevitável, também, a Segundona. E deixou o novo material bélico pronto para essa outra carnificina.

Já se disse que guerra é uma coisa importante demais para ser confiada a generais, mas, no caso da I Guerra Mundial, governantes e diplomatas completaram a incompetência mortal dos militares. Foi um mau momento da nossa história como espécie racional, uma apoteose da estupidez humana. Que, com a glorificação literária de sacrifícios como o de Brooke (esquecido o detalhe do mosquito) e outros poetas, também ganhou a bênção de intelectuais, para os quais a guerra, menos do que uma tragédia, foi um ritual de passagem que enriqueceu as letras inglesas e europeias, substituindo o idealismo do século 19 pelo ceticismo moderno. E o mais triste – visto desta distância – é que tudo poderia ter sido evitado.


Brooke, como na previsão do soldado do seu poema, foi enterrado num campo estrangeiro, em Skyros, na Grécia. Mas há uma lápide com seu nome no Westminster Abbey, em Londres. A inscrição na lápide é de outro poeta, Wilfred Owen, este um autêntico sacrificado pela Primeirona: “Eu escrevo sobre a guerra, e o lamento da guerra. A poesia está no lamento”.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014


29 de janeiro de 2014 | N° 17688
MARTHA MEDEIROS

Vaquinha

O site www.vakinha.com.br permite que qualquer pessoa organize uma vaquinha com um propósito determinado, desde conseguir dinheiro para a festa de formatura da filha até reformar o teto da igreja, desde reunir fundos para uma cirurgia até realizar uma viagem para conhecer o neto que nasceu em Sergipe. A pessoa estipula quanto vai precisar e, ao alcançar a quantia desejada, sai automaticamente do site – não há excedente. As contribuições podem ser feitas por boleto bancário ou cartão de crédito, e, se não estou enganada, o valor mínimo é de R$ 5.

Atualmente, há uma vaquinha em prol do dono do carro incendiado durante um protesto em São Paulo. O serralheiro Itamar Santos passava com seu velho Fusca ano 75 e mais quatro pessoas, incluindo uma criança, na Avenida Consolação, quando foi surpreendido por colchões pegando fogo no meio do caminho. Achou que conseguiria desviar da barricada, não conseguiu e, quando deu por si, o veículo estava em chamas. Foi o tempo de estacionar e retirar todos de dentro. 

Uma sorte terem escapado ilesos, mas o Fusca deu perda total, e o serralheiro ficou sem o carro com que entregava portões, seu ganha-pão. Agora, há uma vaquinha em benefício do seu Itamar a fim de que ele receba R$ 10 mil: R$ 7,5 mil para comprar um novo fusca e R$ 2,5 mil para cobrir os dias que está sem trabalhar. Até este momento, foram coletados R$ 2.768,50.

Esmola eletrônica, exatamente. Mas o termo “vaquinha” é mais simpático. Gosto da ideia de que cada um de nós, doando uns trocados, pode colaborar para que alguém realize um sonho (terminar a obra da casa, fazer um tratamento dentário etc) ou que seja ressarcido por uma perda, como é o caso do seu Itamar, que, se fosse esperar providências das autoridades, ficaria anos passando o chapéu nas ruas sem jamais alcançar os seus R$ 10 mil. As pessoas são mais solidárias quando conhecem o problema de quem precisa. Por isso, a vaquinha realizada através de sites e redes sociais é mais eficiente, pois ficamos sabendo para quem vai o dinheiro e que uso terá.

Você pode estar pensando que há quem se aproveite desse recurso para projetos menos nobres, como organizar um churrasco para a galera. Sem problema. O que há de estranho? A galera convidada é quem contribui e o churrasco sai. Rachar a conta é o que importa, seja pelo meio que for.

Estranho seria alguém contribuir para alguma bizarrice, tipo, sei lá, deixe-me pensar em algo bem esquisito... Imagine que alguns políticos ajudaram a fazer com que nossos impostos não fossem utilizados de forma correta, que tenham roubado dos cidadãos que neles confiaram. Imagine que esses políticos foram condenados a devolver para o país, em forma de multa, o prejuízo causado, e que eles organizassem uma vaquinha para tal. Você contribuiria? Estranho seria isso. Você estaria pagando duas vezes o mesmo imposto.




29 de janeiro de 2014 | N° 17688
ARTIGOS - Leandro Fontoura*

Mazelas privadas

Talvez o dado mais interessante na denúncia de cartel que cerca o governo de São Paulo não seja o pagamento de propina a funcionários públicos e a políticos. Mesmo para um país acostumado a escândalos de corrupção, temos um componente novo nesse que ora teima em sangrar o governador Geraldo Alckmin e seus antecessores também tucanos.

O Brasil está habituado a esquemas mais modestos, para não dizer mambembes. Ou não tivemos um presidente da Câmara que exigiu uns pilas de um empresário para assegurar a permanência de seu restaurante nas dependências do parlamento?

Também tivemos um Maurício Marinho vendendo-se bem relacionado no PTB para arrancar R$ 3 mil de um empresário. O caso desembocou no mensalão petista – esse sim um escândalo digno de nota por inovar na engenharia financeira envolvendo empréstimos bancários. O Ministério Público Federal calcula que pelo menos R$ 141 milhões passaram pelo esquema. Para manter a equidade, é bom lembrar que, para o mesmo MPF, o mensalão do PSDB foi a primeira experiência, um projeto-piloto em Minas Gerais, dessa logística.

Antes dos mensalões, tivemos os anões do orçamento, descobertos depois que um funcionário do Congresso decidiu abrir a boca e entregar um conluio de deputados com empreiteiras. Esse era um rolo graúdo. Quando envolve construtoras, a negociata é profissional.

Mas a denúncia de fraudes no sistema de transporte metroferroviário de São Paulo é muito mais refinada do que temos visto por aí. Trata-se de um esquema que superou obstáculos geográficos e linguísticos, pois envolve multinacionais de diversos países, como a alemã Siemens e a francesa Alstom. Mais de R$ 500 milhões, assim dizem as estimativas, teriam sido desviados por meio de acordos entre as companhias para burlar concorrências públicas.

É por isso que a propina supostamente paga a funcionários públicos e a políticos tucanos não é a novidade do caso. Alguém logo vai dizer que foi apenas caixa 2, a justificava padrão para atenuar os deslizes de um sistema eleitoral defeituoso. O que a denúncia paulista traz à tona são as mazelas da iniciativa privada, as quais dificilmente chegam ao nosso conhecimento.

Por conta das inúmeras disfunções da administração pública – entre elas o patrimonialismo, a burocracia lenta e a ineficiência –, o brasileiro tende a achar que corrupção é um problema apenas do Estado. E as deficiências do mundo corporativo – como práticas predatórias, monopólios, fraudes contábeis e condições de trabalho desumanas – passam ao largo do escrutínio público.

Hoje, entra em vigor uma norma que promete combater os desvios na esfera privada. A Lei Anticorrupção prevê pesadas multas e até mesmo o encerramento das atividades para companhias flagradas em delito contra a administração pública. Não bastará mais a essas empresas afastar dirigentes sob suspeita e lançar nota lamentando as falhas dos mesmos: terão de arcar com os custos das irregularidades. É também o primeiro passo para que o brasileiro passe a enxergar o corruptor e não apenas o corrupto.


*JORNALISTA

29 de janeiro de 2014 | N° 17688
PARA ASSALTOS E TRÁFICO

Desmantelada quadrilha focada em carros de luxo

Criminosos de Santa Catarina utilizavam veículos roubados para agir principalmente no Rio Grande do Sul

Em uma investigação que durou oito meses, agentes da Delegacia de Repressão ao Roubo de Veículos (DRRV) desmantelaram uma quadrilha especializada em fornecer carros roubados e clonados para assaltantes de bancos e traficantes estabelecidos em Santa Catarina – e que agem no sul do Brasil, principalmente no Rio Grande do Sul. Na madrugada de ontem, 80 policiais participaram da Operação Lancer, que cumpriu 11 mandados de prisão temporária e outros 15 de busca e apreensão na região metropolitana de Porto Alegre, no Litoral Norte e em Criciúma, Santa Catarina.

Obando foi formado no início do ano pela união de outras duas quadrilhas que atuavam na Região Metropolitana. Ontem, no Rio Grande do Sul, foram cumpridos nove mandados de prisão temporária. Uma pessoa conseguiu fugir, e outras oito foram presas (duas delas já cumprem penas no Presídio de Alta Segurança de Charqueadas, a Pasc, e na Penitenciária Modulada, em Charqueadas). Em Criciúma, foram presas duas pessoas.

– Pela investigação que fizemos, descobrimos que os suspeitos resolveram focar o seu negócio no fornecimento de veículos clonados para ladrões de banco e traficantes – comentou o delegado Juliano Ferreira, da DRRV.

Agentes recuperaram pelo menos quatro automóveis

De março até o final do ano passado, os policiais apuraram que os ladrões roubaram e negociaram 50 veículos. Dos roubados neste ano, os agentes recuperaram quatro durante a operação de ontem – dois no Rio Grande do Sul, e o restante em Santa Catarina.

O serviço de clonagem foi considerado “quase perfeito” pelos agentes. Ao contrário do sistema usual, que não muda o número original dos vidros e dos chassis, o grupo alterava esses dados, o que dificulta a identificação da fraude pelas autoridades.

– A preocupação deles com a perfeição da clonagem era permanente – declarou o delegado.

carlos.wagner@zerohora.com.br

A ORGANIZAÇÃO DO BANDO

OS LADRÕES

Como funcionava o esquema para roubar carros que eram usados em outros crimes
- Dois bandidos eram os responsáveis pelo roubo dos veículos. Eles foram presos durante a operação.
OS RECEPTADORES
- Quatro pessoas atuavam como receptadores. Uma delas cumpre pena na Pasc; outra, na Modulada de Charqueadas; uma terceira está foragida; e a quarta foi presa durante a operação.
TRANSPORTADORAS DOS VEÍCULOS
- Duas mulheres levavam os carros até os bandidos que atuariam em outros crimes. Ambas foram presas na operação.
O CLONADOR
- Também dono da oficina mecânica, ele foi preso durante a operação.
VAREJISTAS DOS VEÍCULOS (EM CRICIÚMA, SANTA CATARINA)

- Um homem e uma mulher foram presos durante a operação.

29 de janeiro de 2014 | N° 17688
SHOW - Joan Baez

A voz de uma geração

Musa engajada dos anos 1960, cantora americana faz show em março em Porto Alegre
Um dos ícones da contracultura, a cantora Joan Baez se apresenta em Porto Alegre no dia 19 de março. Será o primeiro show da madrinha do folk não apenas em Porto Alegre, mas no Brasil: em 1981, em sua primeira visita ao país, o governo militar a proibiu de cantar em São Paulo e no Rio – outras duas capitais nas quais ela agora tem espetáculos marcados.

Aos 73 anos, a ativista e pintora diletante fará uma turnê pelo país (passando antes por Argentina, Uruguai e Chile), trazendo no bojo do seu violão músicas que formam a trilha sonora de uma geração e que ganharam sua interpretação personalíssima – como Blowin’ in the Wind (Bob Dylan), Imagine (John Lennon), The Night They Drove Old Dixie Down (The Band) e Gracias a la Vida (Violeta Parra).

Também haverá espaço para canções de sua autoria, como Diamonds & Rust e Be Not Too Hard, e faixas de seu disco mais recente, Day After Tomorrow (2008), recheado por músicas de Tom Waits (a faixa-título), Elvis Costello (Scarlet Tide), Patty Griffin (Mary) e Steve Earle (God Is God), que também produziu o disco. Bastante elogiado, Day... colocou Joan novamente nas listas de mais vendidos depois de 30 anos. Bem-humorada, a cantora conversou por telefone com Zero Hora sobre política, música e até sobre o ex-namorado Bob Dylan.

Confira como comprar ingressos no roteiro da página 4.

Zero Hora – Você pertence a uma geração de artistas que acreditavam que a música tinha uma função política e social. Essa crença não parece existir mais hoje.

Joan Baez – Acho que o que falta hoje é senso de comunidade. Muita gente tem feito muita coisa boa, mas sem esse sentimento que nós tínhamos nos anos 1960, o sentimento que nos foi dado por Martin Luther King – ou até mesmo por Barack Obama, quando ele discursava há 10 anos. Com Obama, foi um fenômeno estranho, que eu realmente não entendia, mas, pela primeira vez em muito tempo, sentia novamente aquela força que aproximava as pessoas.

ZH – Obama não faz mais com que você se sinta otimista, é isso?

Joan – Nunca fui muito otimista, para ser bem sincera (risos). Principalmente com relação a partidos políticos, Casa Branca, essas coisas. Se Barack Obama tivesse decidido não concorrer a presidente e se tornasse parte de um movimento, acho que ele teria feito muito mais progresso, porque poderia captar aquele sentimento de que precisávamos. Estou convencida disso. Mas, uma vez que decidiu concorrer a presidente, precisou entrar num esquema típico de quem quer esse tipo de cargo, e aí não há nada que se possa fazer.

ZH – E na música, existe quem faça a diferença hoje?

Joan – Não gasto muito tempo descobrindo novos artistas. As pessoas acham que sim, mas o que eu mais faço mesmo é pintar, no meu ateliê, cercada de silêncio (risos). Não sou de forma alguma uma expert no que está acontecendo no mundo da música, não tenho como opinar. Às vezes, me pego apaixonada por algum disco, tipo do Willie Nelson, e fico uma semana inteira ouvindo (risos). E, quando quero dançar, coloco um Gipsy Kings. Na verdade, tudo parece ser uma versão estendida das bobagens que eu ouvia quando tinha 17 anos, como uma rebelião contra aquela superficialidade. Agora, a música virou entretenimento. E as pessoas que têm algo a dizer simplesmente não encontram espaço ou alguém para ouvi-las em larga escala.

ZH – Mas você mantém contato ainda com o pessoal da cena folk dos anos 1960, certo?

Joan – Muito pouco. Às vezes, encontro Jackson Brown, Bonnie Raitt, Emmylou Harris... Até porque nunca fomos muito próximos, nós não moramos perto nem nada. Na nossa vida, temos cinco ou seis amigos próximos e, naquela época, nós não tínhamos esse tipo de amizade.

ZH – Nem com Bob Dylan?

Joan – Dylan não tem jeito, ele não tem amigos próximos (risos). Qualquer coisa que as pessoas imaginem sobre eu e Dylan, diga a elas para... esquecer (risos). Fiquem com as belas canções, apenas.



29 de janeiro de 2014 | N° 17688
PAULO SANT’ANA | PAULO SANTANA

Greve, sim. Mas legal!

Interessante: diante da sugestão desta coluna à Justiça do Trabalho de que fossem estendidos os 30% da frota para atender os passageiros durante a greve para 70%, sugestão que foi acolhida imediatamente pela Justiça do Trabalho, que ordenou fosse assim feito, os sindicatos que comandam a greve disseram que não poderiam mobilizar os 70% da frota ontem à tarde.

Mas que grevistas são esses que não estão prontos a serem mobilizados com urgência? Foram para a praia?

Não tem justificativa, os sindicatos respectivos têm de ser multados pesadamente por esse desaforo.

Quem faz greve tem de estar alerta. Tem de estar mobilizado para qualquer contingência emergencial. E os engraçadinhos dos sindicatos nos fazem rir dizendo que não tinham tempo para mobilizar os trabalhadores ontem à tardinha para atender a justa e oportuna determinação judicial?

Multa pesada neles!

Tenho o maior respeito pelos direitos dos trabalhadores. Neste caso, respeito a greve decretada.

Mas isso implica observação da lei. Implica principalmente a aflição, a dor e a incomodidade dos passageiros que, muitos deles, quaravam num calor próximo dos 40 graus nas paradas ontem, esperando por horas sem ter qualquer notícia de quando poderiam chegar os ônibus ditos de emergência dentro da greve.

Então, não tenho de me comover com isso? Então, não tenho de ser a voz que represente esses oprimidos?

Tenho plena consciência de que estou a serviço da justiça e da razão.

E não tenho nada que ficar ao lado de greves que muitas vezes servem a interesses que nada têm a ver com fulcral interesse público e da população.

Esse é o meu dever de consciência.

Tenho aqui sobre minha mesa denúncias de que, por trás dessa greve, existem interesses pessoais espúrios, inclusive de pessoas que detêm cargos de confiança na Carris e outros que foram preteridos para o secretariado pelo prefeito Fortunati. O prefeito sabe muito bem da arapuca que armaram para ele.

E me informaram ontem que na assembleia dos trabalhadores que entraram em greve, todos eles somam 8 mil, só compareceu a ninharia de 600 rodoviários. De 8 mil, só 600, tudo bem, entendo o fenômeno da representatividade, mas é muito pouco, uma mixaria. O que indica que está havendo malversação da representatividade.

Greve, tudo bem, é da democracia. Mas que seja uma greve não atentatória à Justiça, à lei e principalmente ao direito dos porto-alegrenses, principalmente dos mais pobres, de circularem de ônibus pela cidade.


Falei.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014


28 de janeiro de 2014 | N° 17687
FABRÍCIO CARPINEJAR

E você?

Ela prepara sua própria pasta de dente, com juá, linhaça e menta, para se prevenir do flúor das pastas convencionais. Flúor é tóxico mesmo em pequenas quantidades.

Ela usa desodorante feito com polvilho doce, já que os vendidos têm alumínio e triclosan, que podem ser nocivos e há estudos de correlação com câncer de mama e distúrbios endócrinos.

Ela emprega óleo de coco como demaquilante para não recorrer a produtos que são testados em animais ou com substâncias de origem animal.

Ela pinta o cabelo com tintura à base de henna, dispensando os metais muito pesados dos produtos do salão.

Ela lava os cabelos com bicarbonato de sódio e vinagre de maçã. Xampus e condicionadores possuem parabenos, sulfato de sódio e óleo mineral, que agridem o corpo a longo prazo.

Ela se protege do sol com óleo de gergelim ou óleo de semente de cenoura. Grande parte dos filtros solares traz ingredientes cancerígenos na composição.

Ela procura comer frutas e vegetais orgânicos – os agrotóxicos são nocivos à saúde.

Ela utiliza apenas soja orgânica. A tradicional é transgênica.

Ela lava a roupa com amaciante e sabão líquido natural à base de coco e a louça com detergente biodegradável.

Ela cria seus produtos de limpeza com álcool de cereais, vinagre e bicarbonato de sódio. Não polui o meio ambiente, assim como não precisa respirar químicas pesadas.

Ela não tem ar-condicionado de propósito. Para diminuir o calor, ampliou as árvores no pátio e as folhagens na sala.

Ela não alimenta seus cachorros e gatos com ração (transgênicas em função do milho e da soja, sem contar que não possuem umidade). Cozinha diariamente para seus animais de estimação.

Ela evita antisséptico de farmácia. Em machucados, coloca gel de babosa, que limpa e cicatriza mais rapidamente.

Ela é adepta de composteiras domésticas. As minhocas se encarregam de transformar os resíduos em adubo para as plantas.

Ela não põe fora latas e vasilhas plásticas, viram vasos para flores.

Ela não mata mosquitos e insetos com spray. Espalha óleo de neem na residência e queima incenso de citronela.

Ela não compra absorventes descartáveis. Prefere um coletor de silicone medicinal hipoalergênico e antibacteriano. É mais higiênico, não resseca o corpo e não produzirá mais de 4 mil absorventes que demoram em média um século para se decompor.

Ela passa toda a sua rotina cuidando do nosso futuro.

E você ainda tem preguiça de somente separar o lixo seco do orgânico dentro de casa. Não fica com vergonha?



28 de janeiro de 2014 | N° 17687
ARTIGOS - Maria Berenice Dias*

Amor à vida

Está chegando ao fim a novela com o inspirado nome Amor à Vida, que acabou mesmo louvando o amor. E, de todos os pares românticos do enredo, o que causou mais sensação foi o amor de Niko e Félix. Eles ficarem juntos foi uma exigência do público, que não cansou de solicitar ao autor Walcyr Carrasco que os unissem. Houve até campanha nas redes sociais #beijalogo, para que enfim houvesse um beijo gay no horário mais nobre da Rede Globo.

Não se pode deixar de reconhecer que muito desses avanços tiveram origem graças à coragem da Justiça gaúcha, que começou a conceder direitos aos pares do mesmo sexo. A repercussão foi de tal ordem, que o STF, em 2011, reconheceu as uniões homoafetivas como entidade familiar, com os mesmos direitos e deveres das uniões estáveis.

A partir daí, está proibido negar acesso ao casamento, por determinação do CNJ. Desse modo, ainda que não exista lei, os direitos dos casais estão garantidos. Podem casar-se, podem constituir união estável, o que gera a garantia a um punhado de direitos.

Mas o que dizer dos seus filhos?

Tímidas ainda as decisões que admitem a adoção por pares homoafetivos. Aliás, é tal a burocracia para disponibilizar crianças à adoção, que elas perdem a chance de ter um lar e os candidatos a pais cansam de esperar.

Agora, de modo expresso, o Conselho Federal de Medicina (Resolução 2.013/2013) assegurou aos casais homoafetivos o uso das técnicas de reprodução assistida. No entanto, não existe qualquer norma, nem ao menos de natureza administrativa, admitindo que o registro seja levado a efeito, em nome dos dois pais ou duas mães, quando do nascimento.

Para o reconhecimento da filiação homoparental, se faz necessária a propositura de uma demanda judicial. Só que, até o trânsito em julgado da sentença – que pode demorar muito tempo –, a criança permanece sem direito à identidade, um dos atributos mais significativos do direito de personalidade. Também deixa de desfrutar da condição de dependente para todos os efeitos, quer previdenciários, quer sucessórios. Além disso, o genitor deixa de gozar a licença-maternidade.

Deste modo, no atual estágio, os grandes desprotegidos pela ausência de uma legislação que assegure direitos à população LGBTI são as crianças que, ironicamente, deveriam ser alvo de proteção integral com prioridade absoluta, como determina a Constituição Federal.


*Advogada

28 de janeiro de 2014 | N° 17687
LUÍS AUGUSTO FISCHER

Três conversas impensáveis

– Tu sabe onde anda a Aurora?

– Voltou pro país dela. Faz uns meses já.

– Ah, é? Foi fazer o quê?

– Estudar. – O quê? – Administração.

– Não tem como não lembrar dela, né? Sempre que vejo um suco de uva eu lembro dela, pelo nome. Qual o país dela?

– A Bolívia. Eu vou lá visitar ela nas minhas férias.

Onde eu ouvi essa conversa? Numa caixa do súper que eu frequento, poucos dias faz. Era entre a moça da caixa e um dos moços que fazem aquele apoio, desembaraçam coisas, recitam de cor o código de caixas de leite etc. Falavam de uma ex-colega, a boliviana de nome Aurora, como o suco de uva que eu comprava. Me peguei pensando na novidade da conversa: gente jovem, de extração social simples, que agora viaja e pensa no mundo de outro modo, mais aberto e mais promissor que antes. Coisa boa.

Dias antes, uma amiga relatou cena recente de Montevidéu: jovens na rambla, fumando um cigarrinho de maconha e bebendo cerveja, fim de tarde, na paz. Chega um policial e educadamente adverte que não era permitido... beber cerveja ali. Que não se ofendessem os jovens, mas a lei era a lei. Mudança de paradigma é pouco para designar essa imensa novidade, que me parece auspiciosa.


A terceira conversa não é ao vivo, e aliás nem é conversa. É só um alô: Nico, te cuida aí. Precisamos de ti pra continuar nos fazendo viajar para longe aqui perto.

28 de janeiro de 2014 | N° 17687
PAULO SANT’ANA

Chantagem sindical

Os empregados em transporte coletivo de Porto Alegre entraram em greve ontem.

E destinaram para trabalhar nos ônibus apenas 30% dos seus integrantes para atender a população, como manda a lei, embora já existam decisões da Justiça do Trabalho de que até 70% dos grevistas trabalhem nos horários de pico dos passageiros e usuários de serviços essenciais.

Essa decisão tem de ser imediatamente cumprida.

Inteligentemente, diante da situação gravosa à população, a EPTC agiu com rapidez: concedeu que os ônibus metropolitanos que saem ou entram na Capital em seus trajetos passassem a recolher passageiros.

Os grevistas, apanhados de surpresa contra seus interesses, então praticaram uma chantagem: ameaçaram retirar os restantes 30% legais de ônibus se a EPTC continuasse a sustentar o suporte dos ônibus metropolitanos.

A EPTC e a Metroplan cederam diante da chantagem e os ônibus metropolitanos deixaram de recolher os passageiros.

No meio desse impasse e já vigorando a chantagem dos sindicatos, saí para as ruas para investigar jornalisticamente o episódio.

Gastei mais de três horas na vistoria de cerca de 12 paradas de ônibus.

Encontrei pessoas que esperavam pelo transporte coletivo por mais de duas horas, aflitas, muitas com compromissos, algumas poucas doentes. Isso nos eixos principais, porque, nos ramos vicinais, os passageiros foram abandonados durante toda a tarde até a noite.

Conversei com as pessoas e constatei a tremenda encrenca humana e coletiva instalada na Capital.

A Justiça do Trabalho terá imediatamente de punir com rigor essa chantagem sindical. Não pode uma população inteira ficar dependente de escusas decisões sindicais para circular.

Se a EPTC tinha talentosamente, diante da urgência que provocou o movimento paredista, desferido um golpe semimortal na greve ao buscar o auxílio dos ônibus metropolitanos, os sindicatos que comandaram ardilosamente a greve não podiam chantagear o órgão controlador do transporte, ameaçando paralisação total dos ônibus: isso é frontalmente contrário à determinação legal de que parte da frota tem de continuar atendendo os munícipes.

Isso é uma fraude contra as autoridades municipais, contra a população, contra o bom senso.

Ninguém é contra a greve, direito fundamental dos trabalhadores. Mas, quando um setor de trabalho parte para a chantagem eficaz, como aconteceu ontem, o império da Justiça tem de ser restabelecido.

E o que os sindicatos grevistas fizeram ontem foi dar as cartas e jogar de mão. Inadmissível. Perguntem às centenas de milhares de passageiros que penaram ontem, nas paradas, perguntem às empresas, perguntem aos órgãos públicos de todas as esferas que paralisaram ontem em razão da greve que se tornou espúria pela chantagem qual foi o prejuízo gigantesco que a cidade e a população sofreram com a atitude extorsiva e eu diria criminosa que os sindicatos paredistas provocaram.

Espera-se por imediato uma ação punitiva da Justiça do Trabalho. De uma vez por todas, a regulamentação da greve nos serviços essenciais, na parte pelo menos do iceberg de intenções que ainda sobrevive nos diplomas regulamentares, tem de ser cumprida.

Porto Alegre não pode continuar refém de greves distorcidas por chantagem.

Isso não pode continuar. Tolera-se, admite-se e até se solidariza com qualquer greve.

Desde que ela não use a esperteza do delito trabalhista para triunfar.

Eu vi tudo isso com os olhos, nas ruas, nas paradas. E fiquei sabendo de tudo isso por meu controle sensorial e informativo.


Isso não pode, nunca mais, jamais, se repetir.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014


27 de janeiro de 2014 | N° 17686
L. F. VERISSIMO

Xópis

Não foram os americanos que inventaram o shopping center. Seus antecedentes diretos são as galerias de comércio de Leeds, na Inglaterra, e as passagens de Paris pelas quais flanava, encantado, o Walter Benjamin. Ou, se você quiser ir mais longe, os bazares do Oriente. 

Mas foram os americanos que aperfeiçoaram a ideia de cidades fechadas e controladas, à prova de poluição, pedintes, automóveis, variações climáticas e todos os outros inconvenientes da rua. Cidades só de calçadas, onde nunca chove, neva ou venta, dedicadas exclusivamente às compras e ao lazer – enfim, pequenos (ou enormes) templos de consumo e conforto. Os xópis são civilizações à parte, cuja existência e o sucesso dependem, acima de tudo, de não serem invadidas pelos males da rua.

Dentro dos xópis você pode lamentar a padronização de lojas e grifes, que são as mesmas em todos, e a sensação de estar num ambiente artificial longe do mundo real, mas não pode deixar de reconhecer que, se a americanização do planeta teve seu lado bom, foi a criação desses bazares modernos, estes centros de conveniências com que o Primeiro Mundo – ou pelo menos uma ilusão de Primeiro Mundo – se espraia pelo mundo todo.

Os xópis não são exclusivos, qualquer um pode entrar num xópi nem que seja só para fugir do calor, ou flanar entre as suas vitrines, mas a apreensão causada por essas manifestações de massa nas suas calçadas protegidas, os rolezinhos, soa como privilégio ameaçado. De um jeito ou de outro, a invasão planejada de xópis tem algo de dessacralização. É a rua se infiltrando no falso Primeiro Mundo. A perigosa rua, que vai acabar estragando a ilusão. As invasões podem ser passageiras ou podem descambar para violência e saques.


Você pode considerar que elas são contra tudo o que os templos de consumo representam ou pode vê-las como o ataque de outra civilização à parte, a da irmandade da internet, à civilização dos xópis. No caso, seria o choque de duas potências parecidas, na medida em que as duas pertencem a um Primeiro Mundo de mentira que não tem muito a ver com a nossa realidade. O difícil seria escolher para qual das duas torcer. Eu ficaria com a mentira dos xópis.