sábado, 10 de dezembro de 2011



11 de dezembro de 2011 | N° 16914
ARTIGOS - Rodrigo da Cunha Pereira*

O amor acaba?

Os dados do IBGE divulgados em 30/11/11, de que o ano de 2010 foi recorde na taxa de divórcios, correm o risco de reforçar a descrença em uma conjugalidade duradoura e induzir a uma leitura equivocada de que a família brasileira não está bem. Certamente, esse elevado índice advém de uma demanda reprimida, cuja vazão foi dada pela mudança da legislação.

A Emenda Constitucional nº 66, de julho de 2010, facilitou e simplificou o divórcio de casais, acabando com os prazos para se formalizar o fim do casamento, e extirpou do ordenamento jurídico brasileiro o inútil e anacrônico instituto da separação judicial (antigo desquite), imprimindo mais responsabilidade aos casais. Afinal, quem deve decidir sobre o fim da própria vida conjugal não é o Estado, mas o próprio casal.

O fim do casamento não significa o fim da família, mas tão somente que aquele núcleo familiar se transformou em binuclear. Também não é o fim da felicidade. Quem tem filhos tem uma responsabilidade maior com a manutenção do casamento. Mas isto não significa que se deva manter um casamento a qualquer custo.

O divórcio, por mais sofrido e indesejável que seja, pode significar um ato de responsabilidade com a própria saúde. O cuidado com o casamento passa pela compreensão em distinguir desejo de necessidade. Muitas vezes, o divórcio não é desejo, pois imaginava-se ficar casado para sempre. Mas torna-se necessidade em razão de determinadas circunstâncias, como, por exemplo, quando há reiterado desrespeito ou até mesmo violência doméstica. Tal necessidade se impõe para se preservar ou resgatar a própria dignidade, após tantas humilhações sofridas.

Outras vezes, embora não haja necessidade de se colocar fim ao casamento, há o desejo de reconstruir uma vida nova para voltar a ser feliz. E, se não foi possível reacender o desejo com a pessoa com quem se está casado, ou vivendo em união estável, o jeito é assumir que o amor chega ao fim, criar coragem e cumprir o difícil ritual de passagem que é o divórcio.

As facilidades jurídicas para se colocar fim ao casamento trazidas pela Emenda Constitucional nº 66, ao contrário do que se pensa, vieram ajudar a preservá-lo. Na medida em que o Estado deixa de tutelar os casais, estabelecendo prazos e culpa pelo fim da conjugalidade, consequentemente imprime mais responsabilidade às pessoas pela manutenção de seus vínculos amorosos.

Foi a substituição do discurso de culpa, tão paralisante do sujeito, pelo da responsabilidade. E assim pode-se refletir melhor sobre desejo e necessidade da manutenção do casamento e até mesmo sobre o porquê de sua mantença ou não.

O amor conjugal tem prazo de validade? Afinal, o que mantém um casamento, ou o que o faz acabar? Quando permitimos que nossas neuroses cotidianas se tornem maiores que o amor, elas certamente conduzirão ao divórcio.

É aí que se começa a voltar o olhar para outra direção ou a interessar-se por outras pessoas. Em outras palavras, o amor acaba porque se começa a ver os defeitos do outro, ou começa-se a enxergar e realçar os defeitos do outro porque o desejo já não está mais ali?

Apesar de todas as facilitações para se dissolverem casamentos, apesar dos amores tão líquidos de nosso tempo, a conjugalidade continua possível e até melhor que antes. Mas dá trabalho! Vê-se na “Clínica do Direito”, agora sem tantas amarras jurídicas para se dissolver um casamento, que uma das possibilidades de o amor conjugal vencer as neuroses e o desencantamento é diluir o mal-estar, que geralmente advém de um mal-entendido, falando dele.

Dizendo de outra maneira, ao invés de “engolir sapos”, é melhor cortar o mal pela raiz, esclarecendo a causa do incômodo através do exercício da palavra, que possa ser dita e ouvida com alma, sem rancor e sem agressões. Não é fácil, mas é necessário para cuidar do amor. E, nisto, temos que aprender com as mulheres, que talvez saibam mais sobre o amor do que os homens.

De qualquer forma, e por mais elaborações verbais que tenhamos, ainda é Platão que continua apontando o melhor caminho para tornar a conjugalidade possível: o amor, para permanecer o mesmo, deve mudar sempre.

*Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, doutor em Direito Civil e Advogado

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