terça-feira, 6 de dezembro de 2011



06 de dezembro de 2011 | N° 16909
DAVID COIMBRA


Para que servem as múmias

Os antigos egípcios nunca chamaram as múmias de múmias. “Múmia” é palavra de origem persa. Era o nome de um famoso remédio da Idade Média, um pó preparado a partir de uma substância betuminosa natural. Os persas usavam múmia para tudo, desde a cicatrização de ferimentos ao tratamento de infecções, a urticária, a enxaqueca e até a paralisia. O meu amigo Carlão Fleck emprega uma poção parecida chamada “Específico Pessoa”, e com ela até já ressuscitou um.

A múmia era tão valiosa que, quando recebiam os reis ocidentais, os governantes persas ofereciam-lhes pequenas porções do pó como presente diplomático. Tratava-se de um produto raro, difícil de ser obtido. No século 12, um médico árabe concluiu que os cadáveres embalsamados dos egípcios haviam sido tratados com substâncias idênticas às que compunham a múmia persa.

Como os egípcios passaram três mil anos embalsamando e enfaixando os seus cadáveres, eles existiam em abundância, não apenas no interior das pirâmides, mas bem conservados pelas areias quentes do deserto.

O médico, então, propôs que os corpos ressecados fossem pulverizados e transformados em remédio. Assim, os cadáveres dos egípcios, que nada tinham a ver com o remédio persa, passaram a ser conhecidos no Ocidente como múmias, mesmo quando se mantinham intactos e não eram comidos por ninguém.

O pó de múmia virou mania na Europa e até meados do século 19 era comprado nas boticas. O sujeito chegava sem receita médica, apontava para um pote na estante e pedia:

– Quero uma múmia.

Isso todos, inclusive os mais ilustres.

O rei Francisco I, apelidado de “O Narigudo”, um homem de luzes que começou a construção do Louvre e levou Leonardo da Vinci para França, nunca se afastava do seu pozinho de múmia. Ingeriu múmia, ou seja, egípcios mortos, até ele próprio morrer, em meados do século 16.

Outra consumidora fiel foi Catarina de Médici, ela também uma rainha ilustrada. Catarina era tão sofisticada que se pode dizer que a França deve a ela grande parcela da sua fama de país requintado. Prova? Foi Catarina quem levou da sua terra natal, Florença, para a terra do seu real marido, Paris, o costume de comer com talheres. Antes dela, os franceses comiam com as mãos nuas.

Até as princesinhas francesas mais delicadas e alvas e magrinhas e sensuais, como são as francesas em geral e a cantorinha Alizée em particular, metiam a mão no assado na hora do jantar. Outra façanha de Catarina, essa ainda mais relevante para a Humanidade, foi a invenção da... calcinha! Da próxima vez que você vir uma calcinha pequeninha, de rendinha, recheada com bom conteúdo, pense em Catarina, em como ela foi uma mulher admirável.

Pois Catarina também medicava-se com pozinho de múmia.

No entanto, você já deve ter concluído que a metade de um Melhoral infantil é melhor para a saúde do que todo um Tutancâmon triturado.

Por que, então, o pó de múmia foi, durante séculos, tão famoso e utilizado por tantas pessoas, até as mais esclarecidas?

Porque as pessoas querem se enganar. Querem acreditar que existem fórmulas fáceis para resolver problemas difíceis. Alguns se curaram de gripe, ou de dor de cabeça, ou de câncer devido à ação da natureza, da luta de seus bravos anticorpos, ou do acaso, e os méritos foram atribuídos ao pó de múmia. Só por causa da FAMA do pó de múmia.

O mesmo se dá com certos meias armadores “de habilidade”. Eles dão uns toquezinhos de efeito, metem algumas bolas de trivela e ganham fama. Viram craques nessa platitude técnica do futebol brasileiro. Mas o que eles são, na verdade? São como pó de múmia: têm fama, mas não funcionam.

Para quem não entendeu, estou falando de Douglas. Mas não quero dizer que ele “não funciona” em quaisquer circunstâncias. Nada disso. Trata-se de um jogador que se encaixa bem em muitos times do futebol brasileiro, talvez até em alguma Seleção, mas não em time que pretenda jogar no mais estrito estilo competitivo, de participação total dos jogadores. Douglas é um jogador clássico, que, segundo ele mesmo diz, não corre atrás da bola; joga com ela no pé. É um Bráulio, um Ademir da Guia, um Pedro Rocha.

Bráulio, Ademir da Guia e Pedro Rocha funcionavam. Em times montados para eles: o América campeão da Guanabara de 74, a Academia do Palmeiras bicampeã do Brasil de 72 e 73, o São Paulo com Chicão e Muricy no meio-campo.

Pensei que essa discussão já estava encerrada por aqui, mas o Grêmio a retomou. O Grêmio subverteu sua história e recuou no tempo, transformou-se no Inter dos anos 60. Está colhendo os resultados do Inter dos anos 60.

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