sábado, 3 de dezembro de 2011



03 de dezembro de 2011 | N° 16906
NILSON SOUZA


Queridos fantasmas

Minha colega de trabalho vem acusando com certa frequência a passagem de alguém por trás de nossas cadeiras. De vez em quando, ela rompe o transe dos computadores, volta-se para mim com os olhos arregalados e diz:

– Eu jurava que tinha uma pessoa atrás de nós.

Na primeira vez até olhei instintivamente para a parede branca, às nossas costas, mas depois passei a brincar:

– Deve ser um dos fantasmas que habitam esta sala.

Tenho, realmente, pensado neles. São fantasmas camaradas, formados pela lembrança de amigos queridos que nos deixaram recentemente. Na verdade, não creio que venham nos assombrar. Mas acredito que permanecem conosco enquanto nos lembramos deles.

Outro dia, vi o simpático anúncio do Instituto Estadual do Livro em que o Pequeno Príncipe lê, concentrado como se estivesse diante de sua rosa, um livro do Scliar. Claro que passei o dia pensando no saudoso escritor que, antes de partir, em fevereiro, costumava entrar suavemente em nossa sala de trabalho, sempre com a mesma pergunta engatilhada para mim:

– Precisa de alguma coisa?

Traduza-se “alguma coisa” por texto, mais especificamente por editoriais. Nosso imortal amigo era tão humilde e solidário, que aceitava escrever comentários anônimos toda vez que necessitávamos. Mas também era um cavalheiro: jamais passaria oculto por aqui, apenas para nos assustar. E, se o fizesse, certamente me perguntaria pelos editoriais.

Outro escritor que frequenta a sala da Opinião na sua condição invisível é o historiador Décio Freitas. Antes de partir, em 2004, ele nos visitava todas as quintas-feiras.

Ouvíamos o som de sua bengala atravessando a Redação e já íamos preparando a cadeira e os ouvidos, pois sabíamos que as próximas horas seriam preenchidas por memoráveis relatos de suas experiências com personagens importantes da nossa história. Também ele poderia ser atraído por nossa saudade, mas nunca passaria despercebido, nem teria pressa de ir embora.

Os jornalistas Lauro Schirmer e Olyr Zavaschi, nossos mestres que se aposentaram desta dimensão mais recentemente, também têm livre trânsito nesta sala. São bem-vindos sempre, pois jamais os esqueceremos. Mas também eles dificilmente viriam para visitas rápidas.

Lauro certamente teria uma nota para escrever sobre a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre. E Olyr jamais deixaria de regar a bromélia que nos deixou como símbolo de seu amor pelas coisas delicadas da vida.

A ilusão que nos faz virar a cabeça para a parede tem outro nome: saudade.

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