terça-feira, 10 de maio de 2011



10 de maio de 2011 | N° 16696
LUÍS AUGUSTO FISCHER


Três cheiros

Minha primeira infância teve como cenário o bairro São Geraldo; dos 8 anos até os 22, vivi no bairro São João. Os dois bairros orbitam em torno da Floresta, o mais velho dos bairros de descendentes de imigrantes alemães localizados na classe média, entre operários e funcionários, professores e algum profissional liberal, artesãos e comerciantes de bairro.

Essa tacanha tentativa de enquadramento geográfico e social me parece necessária para contar da lembrança de três cheiros com que convivi muitos anos e que simplesmente não existem mais.

O primeiro cheiro era do DEAL (Departamento Estadual do Abastecimento de Leite), depois Corlac, a empresa estatal que produzia leite e derivados. Ficava a duas quadras da minha casa, e era comum sentir o cheiro meio azedo que exalava nos fins de tarde quando ia à Sogipa ou dela retornava.

Na minha infância leite ainda vinha em garrafas de vidro e era distribuído em casa pelo leiteiro, com sua carroça e seu (também cheiroso!) maço de notas de dinheiro, que rivalizava com o maço do cobrador de ônibus, que não viajava sentado e parado mas de pé e andando, para cobrar de um por um.

O segundo era o cheiro de fumo da Souza Cruz, com fábrica ali na Félix da Cunha com Marquês do Pombal, mas se espalhava para os lados da Cristóvão e era claramente perceptível por quem, como eu, passava de bonde e depois de ônibus pela grande avenida da Floresta, muitas vezes no rumo da Sogipa do Centro, para jogar basquete. Cheiro de fumo cru; cheiro familiar naquele tempo em que o cigarro, feito ou preparado na hora, entrava em casa de família.

O terceiro cheiro é ainda mais característico da Floresta: o cheiro da fábrica da Brahma, já mais perto do Centro, da Ramiro Barcelos em diante, para quem ia do bairro para lá. Cheiro também um tanto amargo, diziam que era de cevada. Parece que, como o cheiro da Souza Cruz, era um aborrecimento para a vizinhança, e não posso discordar.

Para quem não era vizinho próximo e portanto convivente obrigatório com cheiro denso e aborrecido, esses marcantes cheiros são agora apenas uma saudade. A cidade perdeu a convivência com fábricas deste tipo, que processavam coisas naturais e obrigavam a chaminés e odores – e tudo que temos em matéria de experiência olfativa agora é óleo diesel, gasolina, álcool. Melhor assim?

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