sábado, 28 de maio de 2011



29 de maio de 2011 | N° 16714
ARTIGOS - Sérgio da Costa Franco*


Melhoramos muito

No exercício de uma pesquisa histórica, percorremos coleções de jornais locais da década de 1920 e, de uma análise desses periódicos, chegamos à grata convicção de que, não só em termos de linguagem, de conteúdos e de tecnologia da comunicação, melhoramos muito.

Descabe qualquer tipo de saudosismo em relação à imprensa do passado. Jornal partidário, como era o caso de A Federação, era um monumento de sectarismo, mais preocupado em glorificar o presidente Borges de Medeiros e em fazer a defesa de seu governo do que em informar o público.

No aniversário do governo ou do próprio presidente, ou da morte do Patriarca Júlio de Castilhos, os clichês com a imagem dos chefes ocupavam metade da primeira página.

E todo o noticiário desses dias era sequência de elogios, ao governo e ao partido, com rasgada adjetivação. Ao revés, o tratamento dispensado aos adversários era em geral ofensivo e desrespeitoso. Cremos que, em matéria de culto à personalidade, A Federação superou o próprio Pravda dos tempos de Stalin...

Também no tocante ao respeito à pessoa humana, o jornalismo fez progressos imensuráveis. A crônica policial de 1929 não vacilava em exibir fotos de suspeitos de crime, revelados apenas pela investigação policial, sem condenação judicial, com a legenda inapelável: “gatuno”. Esta era palavra da moda na designação de ladrões, com seus derivados “gatunagem” e “gatunice”. De “larápio”, também gostavam muito os nossos colegas daquele tempo.

Os infratores mais qualificados recebiam o título de “punguista” ou “batedor de carteira”, personagem muito em moda naquele tempo, nos bondes repletos, que ainda não eram exclusivos da população pobre e conduziam também endinheirados, de carteira cheia, numa época que precedeu o cartão de crédito e o próprio uso do cheque.

Não raro, a foto exibia também os policiais que haviam detido o punguista, numa evidente homenagem aos defensores da ordem. Estelionatários, passadores do “conto do pacote” ou do “bilhete”, também compareciam às páginas de polícia, com todas as honras, nome, apelido e imagem sem disfarces.

Não se pense que os infratores juvenis ou mesmo infantis gozassem de alguma complacência por parte dos repórteres e redatores daquele tempo. Vimos num jornal de 1929 a imagem de um garoto de 12 anos, sobraçando as galinhas que havia furtado, uma em cada braço. A legenda, com nome e tudo, identificava o garoto para o resto da vida.

As mulheres também não desfrutavam de qualquer indenidade. Doméstica que furtara qualquer coisa em casa de sua patroa saiu de corpo inteiro, com o título inclemente: “A larápia Maria de Lurdes”.

É de acreditar que tais sanções extrajudiciais aplicadas pela imprensa tivessem algum efeito de prevenção contra o crime. Mas o mais provável é que obrigassem o “gatuno” ou a “larápia” a mudarem-se de cidade e irem oficiar em outras paróquias. Corrigir, não corrigiam, dada a notória tendência autodestrutiva dos delinquentes.

Tais publicações talvez ainda se tornassem título de glória no baixo mundo: “Sou importante... Meu retrato saiu no jornal!”.
*Historiador

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