quinta-feira, 26 de maio de 2011



26 de maio de 2011 | N° 16711
LETICIA WIERZCHOWSKI


No tempo do afiador de facas

Cruzava por uma rua com o meu filho mais velho quando ouvimos um barulhinho característico – raro hoje em dia –, mas que evocou a minha infância. Foi assim meio sem pensar que eu disse: “Olha o afiador de facas!”. Meu filho olhou-me com espanto: afinal, quis saber ele, eu estava falando do quê?

Hoje em dia, quase ninguém mais espera o afiador de facas. Creio que a maioria das pessoas simplesmente compra uma faca nova quando a sua perde o fio, ou então as facas de hoje possuem um “fio eterno”. Seja lá como for, é raro a gente ouvir a musiquinha do afiador, como a gente ouvia antes, quando eu era menina – aquelas notas entravam pela janela, e lá se ia a minha mãe pela porta.

Ante o espanto do meu menino, fiz uma pequena e saudosa digressão sobre a minha infância. Naquele tempo, havia o afiador de facas, havia o moço que vendia casquinhas (outro barulhinho típico, mas, dessa vez, eram as crianças que ficavam eufóricas), havia o vendedor de puxa-puxas.

Havia, de fato, a rua, e a nossa interação diária e pacífica com a rua onde a gente morava. Todo mundo brincava na calçada depois da aula, e a gente ganhava nossas próprias moedas para comprar casquinhas e puxa-puxas. Meu filho ouviu a história com um sorriso, um lampejo de curiosidade perpassou seus olhos bonitos, e voltamos, ambos, à vida real.

Ele quer ganhar um negociozinho eletrônico no seu aniversário, e reatamos, ainda na rua, nossas tratativas a respeito. Dentro de mim, no entanto, confesso que ficou uma tristeza... Não que meu menino tenha demonstrado inveja da minha infância pendurada no portão, mastigando puxa-puxas.

Mas, afinal, quem pode sentir saudades daquilo que não conhece? Jogar os filhos criados nas metrópoles brasileiras na calçada, com uma bola e algumas horas de liberdade, pode soar-lhes tão estranho como abrir, no meio da floresta, a gaiola de um bichinho criado em cativeiro.

Hoje, eles têm a internet, têm o iPad, têm computadores nas salas de aula, têm os videogames, os DVDs, os celulares. Eles têm o mundo num toque de dedos. Trancados em casa, com suas portarias 24 horas, com as cercas elétricas e o diabo a quatro, eles podem ir a qualquer lugar, e usam e abusam da virtualidade. Mas nós… Nós tínhamos a rua, a calçada, as praças. Nós tínhamos o aqui e o agora.

Olhei meu filho uma vez mais, seus olhinhos brilhavam na expectativa do presente. Seu aniversário está chegando, e ele é um garoto inteligente e estudioso. Pratica esportes no clube, mas nunca jogou bola na rua. Enfim, talvez tudo esteja certo – e as puxa-puxas eram mesmo o paraíso da cárie dental... Afinal de contas, nós humanos sempre fomos assim: metade nostalgia do passado, metade ânsia de futuro.

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