terça-feira, 31 de maio de 2011



31 de maio de 2011 | N° 16716
CLÁUDIO MORENO


Tudo parece tão fácil!

Se você quer atrair a atenção de seu semelhante, procure desenvolver a “sprezzatura” (os dois ZZ soam como em “pizza”), termo criado no Renascimento italiano para designar a arte de fazer os outros pensarem que é muito fácil para você o que é difícil para eles. Ironicamente, alcançar esta falsa espontaneidade, premeditada em seus mínimos detalhes, dá um trabalho danado, mas se você conseguir passar a impressão de que faz tudo sem esforço, sempre vai despertar a cobiçada admiração de seu próximo.

Um rei desta arte foi Lúculo, político e aristocrata romano, famoso por sua fortuna. Uma tarde, no Fórum, foi surpreendido por dois amigos, também senadores, que perguntaram se ele lhes faria um favor muito especial. “O que quiserem”, respondeu, sorridente, com sua elegância de sempre. “Pois queremos jantar na tua casa hoje à noite – mas tudo sem cerimônia, é claro; vamos comer aquilo que comes quando não tens convidados”.

Como imaginavam, Lúculo pareceu perturbado: balbuciou uma desculpa, ensaiou, não muito convicto, uma ou outra objeção, e terminou sugerindo que eles escolhessem qualquer outra noite da semana, quando teria o maior prazer em recebê-los. Os dois, no entanto, felizes em pegá-lo desprevenido, mostraram-se irredutíveis: afinal, o que era um simples jantar para quem oferecera o que quisessem?

Apanhado na palavra, Lúculo finalmente concordou, mas pediu que o deixassem ao menos avisar por um escravo que ele hoje jantaria no “Apolo” – um dos tantos salões de sua mansão. Os amigos concordaram, sem saber que tinham caído na esparrela: os nomes correspondiam a diferentes tipos de jantar que Lúculo havia combinado previamente com seu intendente, que agora sabia qual era o menu, qual a coberta de mesa e quanto deveria gastar em enfeites, em música e em outras atrações.

Quando o grupo chegou, três horas depois, aguardava-os um banquete de luxo e requinte indescritíveis. Os dois convidados mal conseguiam encontrar palavras de elogio, tão atônitos que ficaram diante daquela opulência – enquanto Lúculo, para aumentar ainda mais o secreto prazer que sentia, desmanchava-se em desculpas, alegando, com ar de embaraço, que teria preparado uma recepção mais digna se soubesse que teria visitas...

A mulher que se maquia com tamanha sutileza que parece natural (“Acordei assim...”) e o alfaiate londrino que consegue fazer um terno caríssimo sem aparência de novo praticam a “sprezzatura”. Para quem escreve, então, ela é a virtude suprema.

Quer produzir um texto que pareça simples ao leitor? Então aprenda a comer, nos bastidores, o pão que o diabo amassou: costure e recosture os parágrafos, refaça as frases mil vezes, quebre a cabeça em busca da palavra exata e da ordem precisa – e sem queixas, porque tudo o que é fácil de ler é difícil de escrever. E vice-versa.

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