sábado, 14 de maio de 2011



14 de maio de 2011 | N° 16700
PAULO SANT’ANA


Parageusia, perversão do paladar

Quando nós completamos 30 anos de idade, é exatamente nesse ponto que a nossa mocidade está indo e vindo.

Quero parabenizar todos os meus leitores e leitoras por um atributo que vocês não sabem que têm: o paladar.

Eu perdi o paladar faz 10 dias. Só valoriza o paladar, como tudo na vida, quem perdeu o paladar.

Comi anteontem um mocotó no Rei do Mocotó, na Bordini. Tive a sensação de que estava comendo um feijoada.

Mais um entre meus derradeiros prazeres me foi retirado.

Peço um licor de cassis e ingiro um licor de creme de ovos. Sinto-me, se posso dizer assim, um daltônico de paladar.

Saudade do meu paladar. Impressionante, o paladar é um dos cinco sentidos. E eu não sabia que o tinha.

Vingança: não sinto mais falta de quem não sente falta de mim.

Na famosa Confeitaria Princesa da subida da Rua da Praia, se peço uma empada de camarão, vem-me uma de galinha.

E se peço um doce de batata, atiram-me um de abóbora.

Não há nada pior do que a gente sentir na boca um gosto que não era esperado.

É como noivar durante quatro anos e na lua de mel se nos revelar uma mulher por quem nunca se ansiou.

É como você assinar a Zero Hora e lhe entregarem pela manhã outro jornal.

E a fumaça do meu cigarro Charm está com gosto de Marlboro.

Esses dias, ouvi no rádio um comentário do Wianey Carlet dizendo-se aturdido com a agressividade dos motoristas no trânsito de Porto Alegre.

Pintou com tintas exatas a violência com que todos se atiram ao trânsito. Quisera poder definir como o Wianey definiu a intransigência dos motoristas em passar à frente dos outros sem deixar que ninguém lhes passe à frente.

Está muito perigoso e estressante dirigir em Porto Alegre. Os motoristas estão se revelando aqui sem nenhum caráter.

Li que o ex-ministro Darci Ribeiro, um filósofo, quando ficou velho, teve câncer e foi até o Frei Leonardo Boff, outro filósofo.

Estava atônito com a possibilidade da morte e lhe chamava a atenção a serenidade com que as pessoas convictamente religiosas encaravam a passagem deste para outro mundo.

Então foi pedir ajuda a Boff, diante dessa desfavorável diferença.

Não sei o que lhe disse Frei Leonardo.

Mas fico intrigado com uma coisa: o que será mesmo que temem os que vão se defrontar com a morte?

Temem mesmo uma outra vida após a morte, um castigo?

Ou será que temem que não existe nenhuma vida depois da morte e isso lhes amassa, tanto por julgarem que suas vidas foram tão importantes, que não deveriam redundar em nada, ou porque entendem que a Terra à sua vida não basta e eles precisavam de um outro plano de existência para concluir ou aperfeiçoar o conhecimento que adquiriram nesta passagem?

A maioria dos que temem a morte é porque acham a vida muito curta.

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