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sexta-feira, 27 de maio de 2011
27 de maio de 2011 | N° 16712
LUIZ ANTÔNIO ARAUJO - Interino
Um imenso Portugal
O governador Tarso Genro causou furor ao afirmar, em Zero Hora, que o Rio Grande do Sul corre o risco de se tornar “um imenso Portugal” caso não seja aprovado pela Assembleia o pacote de aumento de arrecadação. Referia-se o governador ao fato de que em nenhum lugar o colapso da economia mundial iniciado em 2007 teve consequências mais dramáticas do que em países mediterrâneos como Portugal e Grécia.
Primas pobres da grande família da União Europeia, essas pequenas nações carregam o fardo da industrialização precária e tardia, do atraso na modernização da agricultura e dos baixos índices de desenvolvimento humano em comparação aos vizinhos do Norte.
Desemprego em massa, confisco de direitos sociais e instabilidade política têm sido as faces mais visíveis do drama mediterrâneo. Em qualquer metrópole da Europa Ocidental, pode-se assistir ao drama da imigração em versões portuguesa ou grega. A chegada da crise à Irlanda (outro megaexportador de mão de obra imigrante) fez surgir o termo Pigs, sigla de Portugal, Irlanda e Grécia, em alusão aos Brics.
Não me interessa aqui discutir o prognóstico econômico-financeiro do governador, mas sublinhar a trajetória curiosa da expressão “imenso Portugal”. A ideia de que a colonização portuguesa assumiu a forma de um império ultramarino é relativamente recente na historiografia. Deve-se especialmente a um historiador britânico, Charles Boxer (1904 - 2000), ainda pouco traduzido no Brasil.
Militar de carreira, Boxer assinalou que Portugal e suas colônias constituíram uma rede social interdependente nos séculos 17 e 18. Talvez a noção de unidade subjacente à ideia de império tenha parecido natural a um homem acostumado a servir sob a bandeira britânica.
Boxer pôs a nu o esforço descomunal de um país diminuto e em conflito constante com os vizinhos para estreitar os laços com as colônias, inclusive criando a certa altura um Conselho Ultramarino como órgão administrativo. Para o padre Vieira, o Brasil era “a terra que está além e da outra banda da Etiópia” citada pelo profeta Isaías. Portugal seria o espelho no qual as possessões atlânticas, especialmente a maior delas, deveriam se mirar ao projetar seu futuro.
Com a descolonização, a imagem no espelho se inverteu. Portugal passou a representar a herança maldita, a metrópole à qual eram atribuídos o atraso econômico, o patrimonialismo e o preconceito. A exceção foi o sociólogo Gilberto Freyre, que chegou a louvar no final da vida, sob os auspícios da ditadura salazarista, “o mundo que o português criou”.
“Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal / Ainda vai tornar-se um imenso Portugal”, cantava o colonizador na peça Calabar, de Chico Buarque e Ruy Guerra. Ao fundo, um coro ecoava: “Ainda vai tornar-se um imenso canavial”.
Talvez o governador tenha sido a primeira personalidade brasileira a empregar a expressão “imenso Portugal” em um novo sentido: não mais a potência marítima nem a metrópole voraz e decadente, mas o país pobre, falido e em apuros.
Pela primeira vez, o Brasil pode olhar Portugal com a superioridade da criatura que superou o criador, não para expressar rancor, como o androide Roy de Blade Runner diante do magnata Tyrell, e sim orgulho e alívio por não ter compartilhado o mesmo destino. Resta torcer para que os portugueses encontrem uma saída para seu infortúnio.
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