sábado, 28 de maio de 2011



28 de maio de 2011 | N° 16713
CLÁUDIA LAITANO


A lebre e a tartaruga

Não é muito bonito, mas é humano: as tragédias mais trágicas são as que nos dizem respeito. O terremoto do Japão parece mais nítido quando consigo distinguir um rosto em meio à multidão, e se esse rosto é parecido com o meu, ou o da minha família, aí, sim, a dor da vítima se torna concreta – e a empatia se estabelece mais intensamente.

(Digo que não é bonito porque um dos mais caros ideais humanistas é exatamente o da fraternidade, essa nobreza de atos e sentimentos que faz com que a gente reconheça e se solidarize com qualquer tipo de sofrimento humano e não apenas com aqueles que se aproximam perigosamente dos nossos calcanhares.)

Pois entre tantos crimes violentos que realizam a fantástica proeza de transubstanciar o sangue das vítimas em pilhas de papel velho nos arquivos emperrados da Justiça brasileira, nenhum me toca mais pessoalmente do que o assassinato da jornalista Sandra Gomide, em 2000.

E aqui peço desculpas a todas as mulheres, e não são poucas, com histórias parecidas que não eram jornalistas, como eu, nem editoras de um jornal, como eu, nem mais ou menos da minha idade e classe social. Gostaria de sentir o barateamento da vida delas como sinto o dessa jornalista que eu não conheci pessoalmente, mas com a qual me identifico como se tivéssemos sido amigas de infância.

Li em algum lugar que existem cálculos que demonstram quanto vale uma vida em diferentes países, levando-se em conta uma série de variáveis, da chance que essa pessoa tem de chegar a uma determinada idade à projeção do patrimônio que ela seria capaz de acumular ao longo do tempo.

Se o valor da vida de uma mulher da minha idade, da minha profissão e, principalmente, da minha nacionalidade pode ser medido pelo “índice Sandra Gomide de impunidade”, estou – estamos – valendo muito pouco, quase nada. Não é uma constatação muito agradável.

Onze anos depois de matar a ex-namorada Sandra Gomide e cinco depois de ter sido condenado, o jornalista Pimenta Neves foi preso esta semana. Sua defesa usou pelo menos 24 recursos para mantê-lo fora da prisão, apelando até mesmo para a Lei de Imprensa – o que não deixa de ser macabramente irônico, levando-se em conta que a vítima também era jornalista.

Muitos juristas, inclusive o presidente do STF, Cezar Peluso, acreditam que a demora em cumprir a condenação de Pimenta Neves é a maior prova de que a Constituição precisa ser alterada urgentemente.

Não concordo com o ditado que diz que a justiça tarda, mas não falha. Tardar e falhar são a mesma coisa – e neste caso resultam em um enorme constrangimento nacional.

Quis o acaso que a prisão tardia de Pimenta Neves acontecesse na mesma época da prisão instantânea do poderoso ex-diretor do FMI por uma denúncia de agressão sexual. O contraste entre a lebre e a tartaruga é tão evidente, e tão vergonhoso, que qualquer comentário soa redundante.

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