sábado, 14 de maio de 2011



14 de maio de 2011 | N° 16700
ANTONIO AUGUSTO FAGUNDES


A boleadeira

Quando os primeiros homens brancos aportaram às terras recém-descobertas no continente americano, depararam com um estranho instrumento utilizado pelos índios: um conjunto de duas ou três pedras unidas por tiras de couro ao qual chamavam “boleadeiras”, ou somente “bolas”.

Não impressiona tanto a descoberta hoje – quando sabemos que esse utensílio é, junto com o arco e a flecha, a lança, a tarrafa e outros, um elemento comum, uma ideia que ocorre a vários povos e em vários locais.

A não ser no pampa (Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina), já encontrei boleadeiras de cinco pedras entre algumas tribos esquimós, entre caubóis (muito raramente) nos Estados Unidos e até entre os hunos de Átila. Entre nós, as boleadeiras são uma arma de arremesso e de apreensão, quando são de três pedras (as três marias, por lembrarem a constelação de mesmo nome) ou de duas pedras (as avestruzeiras ou iñanduceras).

No Rio Grande, só foram populares as três marias e as avestruzeiras. O gaúcho campeiro retovava as pedras com couro cru ou couro de lagarto, e as sogas eram sempre de couro cru torcido de dois ou três ramais. Ao contrário do laço, que não se ensebava nunca, as boleadeiras do gaúcho caprichoso eram bem ensebadas. Alguns estancieiros ou simples gaúchos pacholas e faceiros usavam boleadeiras até de marfim, com calotas de prata e ouro.

As boleadeiras eram usadas normalmente na cintura, presas de uma maneira engenhosa: o homem puxava pela manicla, manícula ou simplesmente manica (a pedra menor), e o instrumento se desprendia facilmente, girando umas três vezes sobre a cabeça e sendo arremessada até uns 30 metros.

O alvo mais comum era o animal cavalar: jogada sobre as cruzes do cavalo, as boleadeiras escorregavam para as patas dianteiras ocasionando a sua queda e imobilizando-o no chão. Como o jeguariço tem os ossos dos membros dianteiros muito quebradiços, no fim do século 19 as boleadeiras entraram em desuso, pelo prejuízo que ocasionavam.

Mas foram também as boleadeiras usadas contra o homem, em duelo com os adversários próximos um do outro, um com adaga e outro com boleadeira. Aquelas botas de garrão, com os dedos de fora, facilitavam o manejo.

O lutador prendia a manica entre os dedos do pé e ficava com uma das bolas maiores na mão. Conforme o ataque, ou chutava a manica na cara do adversário, ou dava-lhe uma pedrada na cabeça. A defesa era sempre cortar as sogas com a adaga.

Hoje as boleadeiras são peças de museu ou aparecem na cintura dos tradicionalistas gaúchos para compor com autenticidade um traje antigo. O que é certo é que nunca mais veremos um “corredor de eguada”, como o descrito por João Simões Lopes Neto, com até três pares de boleadeiras na cintura.

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